06 de agosto de 2007
O cinema tem destas coisas. Num dia você vê em dvd as sensíveis e tranqüilas panorâmicas armadas pelo cineasta italiano Valério Zurlini para filmar as ondas que batem no cais de Rimini, em A primeira noite de tranqüilidade (1972), lançamento da Versátil. No outro você vai ao cinema para poluir seus olhos com as grossas seqüências de ação cibernética de Michael Bay em Transformers (Transformers; 2007).
Deixem que me apresente. Eu sou um homem do século XX que mais parece um humanista do século XIX; há certas coisas do século XX que não me descem fácil goela abaixo, imaginem o trem de tolices que o século XXI já anuncia nesta sua aurora! Por mais que meus amigos mais adaptados tentem convencer-me, é para mim difícil tolerar com sanidade um artesão da imagem cinematográfica como Bay; reconheço que ele é bem sucedido naquilo que propõe para seu público, que despejar imagens em desalinho, com cortes bruscos e constantes, com alterações visuais velocíssimas, facilita o trabalho do realizador de iludir a platéia, de dar-lhe o entretenimento permitido nestes tempos em que o universo virtual do computador é dominante, mesmo que muitas vezes estas linguagens não sirvam para nada senão para imbecilizar o ser humano.
Bay paga tributo a todos os cineastas de ação de Hollywood. Ele atualiza as velhas performances do entretenimento cinematográfico. Uma das sombras persistentes do filme de Bay é Christine, o carro assassino (1983), de John Carpenter, pois o carro do mocinho da história de Bay é o primeiro objeto em que os alienígenas se transformam para se comunicar com os humanos; o ritmo frenético e jovem de Transformers deve permitir seu sucesso junto à faixa majoritária que freqüenta as salas de cinema, os adolescentes. Como fenômeno histórico-sociológico, Transformers conduz o espectador a um questionamento: se as salas de cinema são habitadas pelos densos hormônios da juventude, será a ida ao cinema, e seu desfrute, um ato masturbatório? Ao menos, numa das cenas mais curiosas do filme, a mãe do garoto, forçando a barra para entrar no quarto dele, suspeita que o filho está “escangalhando o palhaço”. A associação entre o jovem da história e os excêntricos alienígenas que se transformam em máquinas de uso dos humanos (um celular, por exemplar) é o símbolo da própria associação entre os jovens da platéia e os bichos cibernéticos que aparecem na tela.
Se eu disser que, mesmo um homem do século XX, herdeiro do humanismo do século XIX, pode rir das atoleimadas figuras de Transformers e mergulhar sem culpa neste entretenimento vazio (como o gordo que se empanturra para demonstrar ausência de culpa: esta é uma cena do filme!), alguém criticará os aspectos contraditórios desta dialética na relação com o cinema? Num dia, Zurlini, um poeta da imagem; no outro Bay, um mecânico do quadro cinematográfico. E assim vai o cinema e a vida.
Por
Eron Fagundes