16
de maio de 2006
AQuando o crítico francês André Bazin se referiu ao western como a essência do cinema americano, ele deve ter pensado sobretudo no cineasta John Ford e nos signos de linguagem definidos nos filmes deste realizador. Bazin não falaria no americanismo do western com a cabeça voltada para uma narrativa cinematográfica como a de Três enterros (The three burials of Melquiades Estrada; 2005), a estréia na direção do veterano ator ianque Tommy Lee Jones. Não é que esta realização não tenha sua essência americana: o telurismo de sua utilização de cenários tão ásperos quanto belos é americano, assim como a forma como o diretor se aproxima das personagens adota uma simplicidade de tons que é igualmente americana. Mas não é a este americanismo que Bazin aludia: primeiramente, Três enterros é um filme lento e reflexivo, e sua alternância de pontos de vista bagunça com a objetividade obtusa do cinema de Hollywood.
O roteiro é assinado pelo mexicano Guillermo Arriaga, colaborador do cineasta Alejandro González-Iñarritu em obras como Amores brutos (2000) e 21 gramas (2003), tensos quebra-cabeças cinematográficos; os aspectos de mexicanidade e de inquietação formal de Arriaga são dissolvidos na limpidez da direção cinematográfica de Lee Jones: o cineasta americano não embarca inteiramente nos complexos jogos estilísticos de Arriaga, nem os pasteuriza para convertê-los num filme de Hollywood; faz seu próprio filme, que é ímpar e pessoal, algo capaz de dar prazer pelo uso da inteligência e da sensibilidade, entidades meio em desuso no cinema-padrão de hoje.
Apesar das interrogações que se podem fazer, Três enterros é um western do século XXI, com o aparecimento de telefones (inclusive o celular) e de automóveis de hoje; o que Lee Jones vai buscar nos velhos faroestes é o instinto do mito (especialmente o vale mítico onde o amigo do protagonista deve ser enterrado), as andanças a cavalo por ambientações desoladas (a personagem de Lee Jones, o criminoso algemado e o cadáver do mexicano pendurado dum cavalo formam uma caravana patética e muitas vezes surrealista) e a figura do justiceiro que impõe a dignidade da conduta mesmo quando a lei e a sociedade são contra. Os três enterros e a oposição dos pontos de vista da morte do amigo mexicano (o corpo encontrado pelo amigo americano, a morte narrada do ponto de vista do criminoso, a morte renarrada do ponto de vista do assassinado) permitem a Lee Jones exercitar com clareza e brilho um estilo cinematográfico de que o público está desacostumado.
Enfim, é uma surpresa a direção tardia de Tommy Lee Jones, o ator durão de Violentada entre grades (1976), de Michael Miller, e Cowboys no espaço (2000), Clint Esatwood.
Por
Eron Fagundes