10 de outubro de 2007
A última cartada (Smokin’Aces; 2007), de Joe Carnahan, é um filme que propõe algumas dificuldades para o público que espera da uma narrativa de cinema um grupo de seqüências que se articulam umas nas outras dando ao espectador um sentido ou uma história. É claro que há em A última cartada este sentido ou esta história e a realização está muito longe de ser experimental ou revolucionária, pois certos elementos do cinema comercial (um certo tipo de ação, um certo tipo de enquadramento, modelos interpretativos) ainda permanecem. Porém o que diferencia as costuras formais de Carnahan da produção corrente é a montagem saltitante que vemos do princípio ao fim do filme; uma seqüência nunca se completa de maneira progressiva e lógica, é interrompida no meio da ação para dar passagem a outra seqüência que igualmente não vai completar-se para dar passagem à outra, assim várias seqüências vão ficando em suspenso, mas se na montagem um fio aqui exposto vai ter seguimento num fio mais adiante, ocorre ao espectador que deve manter-se atento para se achar nesta autêntica teia de celulóide. Mas a história de criminosos e mafiosos de A última cartada, tão comum no cinema americano dos anos 70, não é o que dita a originalidade do filme, nem é precisão ter grandes afinidades com esta história e desvendá-la no seio da teia de entrecruzamentos do filme para se sentir o que verdadeiramente importa em A última cartada: a atmosfera de alucinação dos planos cinematográficos, que estouram como pipocas na tela, e conferem ao trabalho de Carnahan uma inquietação meio rara naquilo que deparamos habitualmente nas programações despejadas nos cinemas locais.
Na verdade, A última cartada é um pouco sobre os mecanismos maiores que subjugam as vontades dos indivíduos no mundo contemporâneo. A personagem de Ben Affleck simboliza esta angústia de ser num mundo que oprime as vontades, especialmente em seu gesto final numa U.T.I. onde desliga os aparelhos de dois agentes mortalmente feridos. E, estilisticamente, com seu estilo que tenta ofuscar a objetividade procurada pelo espectador, A última cartada corresponde a esta temática: o indivíduo no cinema é esmagado visualmente para que suas possibilidades de interferir no roteiro de um filme possam zerar-se.
Uma curiosidade de A última cartada é a estréia como atriz da cantora americana de hip hop Alicia Keys, de 27 anos; ela vive Georgia Sykes, uma assassina negra e sensual que vem a ser alvejada dentro dum elevador no final, para desespero de sua parceira, também uma assassina negra. Sua interpretação desglamurizada a desvincula tanto de sua imagem de estrela do showbusiness que Ben Affleck, quando a viu no set, indagou: “Você é mesmo a cantora?” Alicia vem aí no novo filme de Shari Springer Berman e Robert Pulcini, The nanny diaries, onde ela contracena ao lado de Scarlett Johanson, ambas vivendo duas babás amigas; Berman e Pulcini são os mesmos realizadores do notável Anti-herói americano (2003).
Enfim, A última cartada preenche nossa necessidade de um cinema bom e diferente.
Por
Eron Fagundes