As diferenças entre o cinema americano e o cinema francês não impedem o observador de se valer de aparelhagem crítica semelhante para analisar dois filmes atualmente em cartaz na cidade. Ambas as realizações devem buscar um público mais selecionado, pois suas formas narrativas se afastam das abordagens óbvias em que a programação rotineira está inserida. Os dois trabalhos em questão não satisfazem plenamente o amor do cinema, mas levam a uma reflexão compensadora sobre as possibilidades da sétima arte.
A última ceia (Monster's ball; 2001), do americano Marc Forster, é lento e minucioso em suas imagens, diferindo muito da avalancha visual de Hollywood, embora sua pequena história -um rosário de coincidências que vai jogar nos braços um do outro o carcereiro e a jovem negra que recentemente enviuvou tendo seu marido executado por este policial de laivos racistas-não deixe de ter a habitual superficialidade de caracteres hollywoodiana. Exacerbando nas cenas de sexo, Forster é meio sutil e distanciado ao acompanhar com extrema objetividade os atos de suas personagens.
Objetividade quase documental é o que não falta em Sob a areia (Sous lê sable; 2000), filme francês de François Ozon, que segue com bastante frieza de imagens e atuações a estada num local praiano dum casal sexagenário até o dia em que o homem desaparece e a mulher empreende uma trajetória por sua busca, nunca aceitando a possibilidade de sua morte. O mistério e o suspense surgem, da mesma forma que os havia em A última ceia; os meios atos e as meias imagens dão o toque diferente de linguagem a estes filmes lentos, exasperantes, sobretudo o francês.
O problema dos dois realizadores se assemelha. Uma certa inconstância das narrativas vai perturbar a profundidade do mistério encenado: basta pensar nos achados do canadense Atom Agoyam para O fio da inocência (1999); aí se vê como a mão dum cineasta de gênio pode fazer uma brutal diferença.
O francês Ozon realizara anteriormente Gotas d'água sobre pedras escaldantes (1999), uma narrativa claustrofóbica que extraíra dum texto teatral do alemão Rainer Werner Fassbinder e em que lograra melhores resultados embora nem tanto assim. Outra curiosa associação que se pode fazer entre A última ceia e Sob a areia está no teor de seus finais: se no filme americano a imagem suspende-se na perplexidade da relação entre os protagonistas quando ela descobre que ele é o carcereiro que executou seu marido, deixando em branco o futuro do relacionamento, no francês a mulher corre na beira da praia para um homem que pode ser seu marido (corte para os créditos finais antes que ela o alcance e confirme sua convicção).
Por
Eron Fagundes