Talvez
o crítico Luiz Carlos Merten tenha razão ao afirmar, em seu livro A aventura
do cinema gaúcho (2002), que o curta-metragem Ilha das flores (1989),
de Jorge Furtado, é a mais importante realização cinematográfica gaúcha até
hoje. Divertido e cerebral, simples e inventivo, aquele filme curto de Furtado
é o de um Alexander Kluge (diretor alemão) gaúcho.
Em seu primeiro longa-metragem
Furtado realiza uma obra aparentemente diferente de toda aquela chuva de pensamentos
que é Ilha das flores. Houve uma vez dois verões (2002) abdica
dos preciosismos de pensador para se entregar a um exercício de comunicação
com o público; mas nesta comunicação Furtado não permite que a inteligência
de filmar fique no armário; seu trabalho é comunicativo (tendo dirigido só curtas,
ele demonstra sua habilidade para segurar um ritmo narrativo mais longo) mas
jamais derrapa em concessões exclusivamente comerciais.
A excelência da direção de
atores do cineasta logra extrair uma aparência de espontaneidade do elenco de
jovens; é igualmente admirável a precisão e a ironia que transparecem na maneira
como Furtado coloca na tela o específico modo porto-alegrense de falar, penetrando
em minúcias do jeito de dizer os diálogos cuja naturalidade só pode ser atingida
à custa de muito suor de ensaio ou acertada inspiração.
O receio crítico dos admiradores
de Ilha das flores é questionar por que um realizador tão fortemente
analítico faria uma comédia suave como Houve uma vez dois verões. Seguramente
o desenho de caracteres é necessariamente superficial: a herança da maneira
de ver a juventude porto-alegrense estabelecida pelo clássico Deu pra ti,
anos 70 (1981), de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, está tenuemente presente.
Mas aqui ocorre uma ruptura entre o auto-retrato da geração 70 e o retrato mais
distanciado que Furtado (pertencente à geração dos anos 70) compõe dos jovens
que abrem o terceiro milênio, a geração dos joguinhos eletrônicos, a geração
de seu filho Pedro Furtado, que interpreta uma das personagens.
Na verdade, Houve uma vez
dois verões é um debruçar-se incisivo sobre as pirações da juventude. Falando
da juventude de hoje em Porto Alegre, Furtado alastra a abrangência de seu filme,
pois os jovens sempre se parecem em qualquer época e lugar. A tolice da juventude
está toda no filme. E sua superficialidade também. Se isto pode contaminar aqui
e ali a realização, é igualmente fonte de sua possível perenidade.
Por Eron Duarte
Fagundes