15 de março de 2008
A via Láctea (2007), de Lina Chamie, é mais um ensaio cinematográfico do atual cinema brasileiro e, para constrangimento do espectador exigente, demonstra que um cinema intelectual pode ser tão vazio e superficial quanto o cinema feito para o consumo rápido das massas. Chamie, cuja formação musical lhe rendera o extraordinário Tônica dominante (2000), erra feio a mão em seu novo trabalho; partindo para a literatura (poemas de Carlos Drummond de Andrade, grandiloqüentes letreiros à maneira de Jean-Luc Godard que remetem a obras literárias como As cidades invisíveis, do italiano Italo Calvino, ou Lira paulistana, do brasileiro Mário de Andrade), a realizadora dá seu exibicionismo cultural, mas as ligações entre suas muitas citações ficam ali entre o trivial e o confuso.
Dentro de sua teia de aranha intelectual, A via Láctea busca uma história de amor, cerebral e desdramática. Um professor de literatura (daí a constante utilização do livro-objeto e do livro-texto como signos duma linguagem de cinema não muito articulada) vê seu caso com uma estudante de veterinária que gosta de teatro, ruir; enforcados primeiros planos móveis do início do filme simulam um acidente de carro com o professor, mas este acidente é elíptico; só se torna fato depois do longo flash back que é a narrativa do filme. Apesar de toda a sua sofisticação literária, a pouca inspiração verbal própria de A via Láctea faz o filme cair no marasmo do trivial, do lugar-comum que uma certa sensibilidade da cineasta busca inutilmente refinar.
Marco Ricca, que vivera uma personagem assemelhada em outro filme de ensaio, Crime delicado (2005), de Beto Brant, também com ambientação metropolitana paulistana e bastante mais inventivo que este de Chamie, defende bem seu papel. E Alice Braga, vista este ano também na produção norte-americana Eu sou a lenda (2007), de Francis Lawrence, não decepciona. Quem decepciona mesmo é a diretora, cujas hesitações de linguagem a impedem de atingir a plena produção de outros ensaios fílmicos atuais de nosso cinema, como O príncipe (2002), de Ugo Georgetti; Quanto vale ou é por quilo? (2005), de Sérgio Bianchi; Santiago (2007), de João Moreira Salles; ou Jogo de cena (2007), de Eduardo Coutinho.
Por
Eron Fagundes