10 de agosto de 2006
O realizador francês Alexandre Aja demonstra em Viagem maldita (The hills have eyes; 2006) que é possível a um diretor de cinema visitar um clássico mantendo uma personalidade própria e distinta do original de onde veio. Para uma informação desavisada, Aja embarca na onda em voga de reverência a projetos cinematográficos que marcaram o cinema que se fazia na década de 70; mas na verdade a refilmagem de Quadrilha de sádicos (1977), o sensorial e selvagem filme do norte-americano Wes Craven –observe-se que Aja, rodando seu filme nos Estados Unidos com laivos de cinema independente apesar de uma certa opulência da produção, manteve o título do original em inglês de Craven--, em momento algum tem relações com os pastiches representados por A profecia, Poseidon ou Super-homem, o retorno, dirigido por artesãos que estão longe da volúpia de filmar de Aja.
Produzido pelo próprio Craven (talvez com medo de repetir-se ou das comparações, não quis refilmar-se), Viagem maldita utiliza o trivial do filme de horror (um banho de sangue no deserto americano, a obviedade da câmara subjetiva para assustar o olho do espectador especialmente no momento do corte, personagens extremamente planas) de uma maneira inaudita; devemos buscar o estranho fascínio desta película de Aja na plástica particular de sua imagem e na habilidade de narrar que –tanto em Craven quanto em Aja—costuma tapar os incômodos buracos do roteiro. Os aspectos de metáfora da sociedade americana (a boa família burguesa é revocada a seu primitivismo animal pelo comportamento de seres mutantes deformados topados no deserto) que havia de maneira mais secreta em Quadrilha de sádicos se evidencia mais linearmente na proposta de Viagem maldita, com referências a umas experiências nucleares no deserto que teriam gerado as deformações (físicas e mentais) dos selvagens; ao mesmo tempo esta metáfora se dissolve na extremada brutalidade das seqüências que deriva para fáceis golpes de susto no observador –de mim prefiro as partes em que Aja delira na antropofagia do sangue àquelas outras em que se vale do pavor desgastado pelo uso, inclusive o uso do próprio Craven em tantos filmes.
Sem atingir a radicalidade de Rejeitados pelo diabo (2005), do norte-americano Rob Zombie, Viagem maldita é uma prova de que pode haver inteligência e sensibilidade estética no judiado horror cinematográfico. O “horror” (gênero) não precisa ser necessariamente “um horror” (conceito).
Por
Eron Fagundes