UMA MENINA BRASILEIRA
 

 

06 de dezembro de 2005

O filme Vida de menina (2004) é o produto da visão de três Helenas: Helena Morley teria escrito seus diários no começo da adolescência e os publicou no livro Minha vida de menina na idade adulta; Elena Soares e Helena Solberg transformaram o texto de Morley em roteiro cinematográfico, cabendo a Solberg dirigir o filme. Da fusão de Helenas, um retrato entre amável e tenuemente picante duma garota brasileira, uma rebeldinha, na última década do século XIX.

Vida de menina contém muita nostalgia e não deixará de fazer arrepiar aquele espectador que ainda é capaz de evocar a meninice, pois todas as infâncias se parecem alguma coisa ali em sua pureza de emoções. Com habilidade, a diretora faz as ligações entre as inquietações de sua personagem e os fatos históricos da época, como a abolição da escravatura (Helena tem uma amiga negra), a proclamação da República e a teoria da evolução das espécies do inglês Charles Darwin (novidade trazida por um primo que chegara do Rio de Janeiro); a velha Diamantina, no interior de Minas Gerais, é reconstituída com graça, embora sem maiores vôos criativos. O elenco tem aqui e ali uma atuação literária e caricata mas funcional; Ludmila Dayer, na pele da protagonista, é quem foge ao postiço das interpretações, dando vivacidade à figura que vive.

De tudo, sobressaem as relações especiais da menina com a avó, que a ama acima de todos os outros parentes. Lá pelas tantas, a personagem questiona: “Será que as outras cidades têm tantos doidos como Diamantina?” Se eu pudesse conversar com a Morley menina, a autora do livro, eu lhe diria, suspirando: “Sim, Helena, os doidos de tua Diamantina são os mesmos doidos da Garibaldi da minha infância.”

De certa maneira, Helena Morley, uma brasileira de ascendência britânica, lembra a inglesa Jane Austen, escritora que escreveu toda sua prestigiada literatura observando os costumes do provinciano meio em que viveu. Estas inglesas quem sabe descobriram o jeito literário de dar amplitude emocional e filosófica à província.

Por Eron Fagundes

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