UM RARO FILME ALEMÃO
 

 

10 de fevereiro de 2008

No centro de A vida dos outros (Das Leben der Anderen; 2006), filme alemão dirigido por Florian Henckel Von Domersmarck, o espectador vai deparar com a figura do artista como vítima visceral dos regimes de força. De uma certa maneira, é uma visão que o cinema crítico europeu dos anos 70 e 80 usava descortinar; o que logo vem à mente é o ator cooptado pelo nazismo em Mephisto (1981), do húngaro Stvan Szabo. Em A vida dos outros são um escritor e uma atriz que vivem juntos aqueles seres sobre os quais se debruçam os algozes do fascismo de esquerda implantado na Alemanha Oriental ao longo de várias décadas do século XX; ele é posto sob vigilância e são instalados postos de escuta em seu apartamento, ela para poder aparecer nos palcos germânicos se submete à lascívia brutal dum gordo e cínico integrante do alto poder do governo.

Mas o que A vida dos outros mostra —e com um rigor formal e um distanciamento autenticamente brechtiano que acabam por apaixonar o observador— é que mesmo nos mais violentos e controlados regimes de força a natureza humana produz certas consciências críticas que sobrevivem no duro jogo com a força do Estado instituído. O homem encarregado de escutar e relatar as atividades do escritor oculta aquilo que pode definitivamente incriminá-lo, pois passa a odiar a forma animalesca do comportamento de seus chefes. Depois que uma matéria do escritor sobre os suicídios no país sai numa publicação no Ocidente, a atriz (amante do escritor) é presa e convencida a entregar o local onde estão as provas que o incriminarão. Seu suicídio final (filmado quase  como se fosse mesmo um acidente automobilístico) é a derrota de uma determinada consciência crítica diante do regime. Mas os gestos do homem  encarregado de vigiar o escritor, protegendo a este até o momento final, é a sobrevivência a duras penas duma outra consciência crítica. Mas são estas consciências críticas (a que se desespera e se mata, e a que usa suas artimanhas cerebrais como proteção) que vão aos poucos minando o poder absoluto, que no fim, na queda do muro de Berlim, se revelou fraco como uma vara de vime diante da obstinação da verdadeira natureza humana.

O artista não é a única nem talvez seja a mais lastimável vítima dos métodos fascistas de governar; mas, como se vê em A vida dos outros, é o que carrega a sobrevivência das consciências críticas nestas sociedades, para bem ou para mal.

Por Eron Fagundes

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