13
de setembro de
2004
Em A
vila (The village; 2004) o realizador indo-americano Manoj
Night Shyamalan atreve-se a contrariar as regras do cinema comercial
em que se insere seu esquema de produção para chegar
a um nível plástico e místico bastante pessoal.
Em sua filmografia já conhecida por aqui (o idolatrado
O sexto sentido, 1999; e os igualmente triviais Corpo
fechado,
2000, e Sinais, 2002), o cineasta já exercitava uma lentidão
indiana e preocupações com discussões religiosas
mais sérias; mas os compromissos com a indústria
o empurravam para concessões capazes de agradar ao público,
como a visão de mundo superficial e a contemplação
banal de episódios curiosos.
Não direi que ele se tenha libertado inteiramente dos
pecados comerciais em A vila. Mas ousou artisticamente muito
mais: daí o fracasso nas bilheterias já anunciado.
A incisiva plasticidade e um vagar narrativo cheio de símbolos
e detalhes são o que de mais notável o espectador
pode desfrutar no novo trabalho de Shyamalan; finalmente, ele
merece a referência que alguns faziam ao cinema refinado
do inglês Alfred Hitchcock, pois há em A
vila uma
metafísica de filmar meio hitchcokiana na maneira como
o cineasta se aproxima do tema do medo e da culpa sem motivos,
tal como ocorria em Os pássaros (1963), de Hitch: uma
pequena comunidade fechada é assombrada por criaturas
trevosas; uma garota cega, um “bobo da aldeia” e
um jovem destemido que é um pouco uma espécie de
consciência narrativa são os entes centrais dum
universo às vezes surrealista que mereceria outra aproximação,
com o cineasta espanhol Luis Buñuel; uma cruzada de amor
e morte entre os entes centrais aludidos vai iluminar um pouco
os mistérios de almas que o filme quer expor.
É
bem verdade que no tratamento dos mistérios o diretor
escorrega com relativa facilidade para saídas ingênuas;
mas talvez ele queira com isto aproximar suas intenções
da inocência primitiva do ser que é um dos assuntos
circundantes de sua câmara nesta realização.
De
qualquer maneira, com este belo A vila, Shyamalan logra vencer
o preconceito que se vinha formando, o de que ele, apesar de
sua elaboração visual indiana, não passava
de um artesão de Hollywood. A vila revela o autor por
trás desta máscara.
Por Eron Fagundes
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