Meu amigo Marcelo
Hugo da Rocha acusa-me de referir amiúde os filmes do passado para julgar muitos
filmes do presente. Cuido que a culpa não é minha, mas do processo servil com
que a maioria das películas contemporâneas reverencia algumas de outras épocas.
Vamos exemplificar.
O realizador inglês Ridley
Scott, que desde seu primeiro filme, Os duelistas (1977), estabeleceu
um gosto pela abstração formalista, tem aproximado, nos últimos anos, seu refinamento
visual às exigências comerciais das platéias. Seu atual Falcão negro em perigo
(Black hawk down; 2001) é um característico exemplo do atual estágio de seu
cinema. O azar deste filme de guerra, que evoca um episódio pouco lembrado da
mania intervencionista do governo americano, a frustrada ação militar na Somália,
é ter sido exibido por aqui pouco depois do relançamento da obra-prima Apocalypse
now (1979), de Francis Ford Coppola; Scott refaz Coppola na afeição pelos exageros
formais, mas a distância entre o delírio de Coppola e a realização rasteira
de Scott é muito grande. Sim: Scott não segue Coppola passo a passo, mas sua
intenção seria igualmente criar um universo cinematográfico tão puro em si que
justificasse todas as extravagâncias do roteiro. É pena que escorregue tão facilmente
em cópias mal feitas do que já se fez melhor no passado.
As duas referências a um clássico
do sentimentalismo hollywoodiano, Kramer versus Kramer (1979), de Robert
Benton, não são gratuitas em Uma lição de amor (I am Sam; 2001), dirigido
pela cineasta Jessie Nelson e que se inscreve na linha das superficialidades
apelativas em que Hollywood se especializou ao longo dos anos: um doente mental
adulto, uma criança que é sua filha com uma mulher de rua que abandonou a ambos
após o parto e por cuja guarda ele luta e uma bela e carreirista advogada que
o defende de graça no tribunal; a química para conquistar o público e irritar
a crítica está feita. Todavia os bons ofícios da realizadora logram enganar
o espectador crítico. Sean Penn e Michelle Pfeifer defendem com bravura seus
papéis e a garotinha Dakota Fanning, conquanto não se dispa de seus artifícios
de menininha de Hollywood, não chega a prejudicar o resultado final. A história
é implausível mas está cheia de certeiros lances baixos em que se localizam
os enganos do observador, que pensa ver coisa nova onde tudo é uma recriação
dos melodramas de antanho. A inquietação de câmara, é verdade, não é comum no
comércio de imagens à americana, mas a diretora não vai muito longe em sua pretensa
ousadia formal: recua sempre que isto possa cansar o assistente. De qualquer
maneira, o envolvimento afetivo com o filme é inevitável.
Com a vênia de meu amigo Marcelo,
espero ter demonstrado que o grosso dos filmes de hoje buscam sua inspiração
no passado, antes mesmo que a memória do cinemaníaco detecte os pontos de retorno.
Por Eron Duarte
Fagundes