22 de novembro de 2006
Volver (2006) é um título expressivo da filmografia do espanhol Pedro Almodóvar, depois das formas excessivamente dissolventes de Má educação (2004), que punha meio que debaixo do pano o brilho fulgurante do cineasta; Volver é um retorno ao humor visual e humano ao mesmo tempo escrachado e socialmente crítico que tem caracterizado o jeito de filmar de Almodóvar ao longo dos anos. Volver pode ser um retorno, mas é a expressão da maturidade de um artista: todo o colorido extravagante de filmar, que se impunha como um esquisito cenário em Mulheres à beira de um ataque de nervos (1987), reaparece sob uma segurança narrativa que oculta o que pode haver de maneiroso na expressão almodovariana; a exultante apresentação dos créditos finais embala com perfeição este ponto de maturidade e extravagância do cinema de Almodóvar.
O título do filme, volver, é polissêmico. Em português (uso mais raro) como em espanhol (uso comum da língua) o verbo significa a mesma coisa: retornar. A canção “Volver” entoada pela personagem de Penélope Cruz explicaria o filme como uma descida nas memórias emocionais da criatura. A narrativa busca evocações de infância de Almodóvar, segundo ele mesmo afirmou em entrevistas. Nos ônibus de que desembarca ou sobe Raimunda, vivida por Penélope, o espectador pode ver rapidamente dentro do plano a inscrição horizontal: “volver a sentir”. A mãe de Raimunda e Sole, esta mãe que morreu antes mesmo de o filme começar, volve ao mundo como um fantasma, vagando entre os vivos com a consistência dos vivos: isto remete ao gosto dos espanhóis por contos de fantasmas, de Luis Buñuel a Carlos Saura. De certa maneira, na pele desta velha mãe interpretada pela atriz-fetiche de Almodóvar, Carmen Maura, é a mamãe Espanha em suas profundezas quem retorna. E volver também significa que a forma cinematográfica de Almodóvar se agudiza em seu retorno.
Em seus sub-temas, Volver lança pinceladas sobre o abuso sexual na infância, como já o fizera em Má educação: a tentativa de estupro que a filha de Raimunda sofre por parte de quem a criou como pai, ocasionando um desenlace trágico na história, é um reflexo da própria infância de Raimunda, seviciada sexualmente por seu próprio pai. Mas a personagem por quem Almodóvar se esmerou em seu filme é mesmo a de Raimunda, uma tentativa de adaptar à vivência cinematográfica atual a figura da mãezona latina, observada em obras-primas como Belíssima, filme do italiano Luchino Visconti de 1951 citado quase ao final de Volver quando a personagem de Carmen Maura fita Anna Magnani numa cena do clássico de Visconti que passa na televisão, e Um dia muito especial (1977), do também italiano Ettore Scola, onde Sophia Loren nas primeiras seqüências é uma dedicada mãezona peninsular.
Enfim, é bom dar com o prazer de filmar de Almodóvar em seu estado de graça.
Por
Eron Fagundes