AMANHECER SANGRENTO
 

 

27 de setembro de 2006

A ação terrorista árabe no espaço aéreo americano, em 11 de setembro de 2001, serviu, entre outras coisas, para dar realidade aos cinedesastres que Hollywood costumava fazer na década de 70. Quem viu pela televisão os dois aviões que se chocaram contra as torres gêmeas do World Trade Center e depois ouviu várias histórias que cercaram misteriosamente aquela manhã histórica, inclusive sobre o avião cujo alvo seria o Congresso Americano e caiu no mar, tinha a impressão de estar vendo um grandiloqüente espetáculo cinematográfico americano: de cara vinha a intuição de que Hollywood caçaria estes fatos para si. Então, os terroristas de Al-Qaeda mais pareciam estrelas de filmes de ação americanos do que aquelas personagens vagarosas de lentas crônicas de aldeia do egípcio Chadi Abdel Salam (A múmia, uma obra-prima dos anos 70 que nunca mais se pôde rever).

O inglês Paul Greengrass tem um estilo de filmar, jornalístico e objetivo, trêfego e agressivo em seus minúsculos movimentos de câmara, que não é bem coadunável com a maneira de Hollywood. Ele fez o preciso Domingo sangrento (2002), evocando episódios políticos ocorridos trinta anos antes, mas rendeu-se à bobagem ianque em A supremacia Bourne (2004). Seu estilo é sempre o mesmo e, pela repetição, muitas vezes se torna maneirista. A câmara de Greengrass está constantemente à caça das personagens e dos cenários, mas não no sentido do cotidiano dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (A criança, 2005); o sentido de Greengrass é agitar o olho do espectador.

Assim, pela agitação superficial do olho, ele está bem próximo do que Hollywood quer em Vôo 93 (United 93; 2006), uma reconstituição do que teria acontecido naquele vôo de 11 de setembro de 2001 que não atingiu seu objetivo e caiu no mar, não havendo sobreviventes para contar a verdadeira história. Jornalista, Greengrass utilizou todos os elementos de que dispunha (relatórios, entrevistas, gravações de telefonemas feitos por pessoas que estavam a bordo para amigos e familiares em terra), para armar sua versão cinematográfica dos fatos. Apesar dos esforços e do talento formal de Greengrass, Vôo 93 é um típico cinedesastre de Hollywood: relata o que poderia ter havido, choraminga um pouco em cima do pavor americano, mas não aprofunda nada, não tem muito a dizer de fato sobre as causas e as conseqüências daquela manhã sangrenta. O inglês Greengrass não deixa de revelar-se, em Vôo 93, um aliado da prepotência americana ferida em sua antes inexpugnável segurança. Greengrass nunca se questiona sobre a certeza americana: afinal, quem é o responsável pelos acontecimentos?, para parodiarmos a frase final de Noite e neblina (1955), um documentário de início de carreira do francês Alain Resnais sobre os campos de concentração nazista.

Vôo 93 é uma realização tão confusa e sem sentido quanto estava o espaço aéreo americano em 11 de setembro de 2001. E não aprenderam nada.

Por Eron Fagundes

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