NOTA INICIAL: Só poderá entender a
ironia do título deste artigo quem leu o livro
ou viu o filme.
Literatura
e cinema não são a mesma
coisa, o cinema não é um gênero
da literatura, mas uma e outro se intercambiam, como
acontece na relação entre todas as
artes. Há quem julgue que o cinema seja mais
parente das artes plásticas; neste sentido
o diretor de fotografia é mais importante
que o roteirista. Há até quem julgue
que o cinema nem sequer seja arte, só um divertimento
industrial; é o que pensam alguns intelectuais
que reagem negativamente a qualquer meio de comunicação
que em algumas de suas formas possa ter a pretensão
de dialogar com as massas. O lado narrativo-literário
do cinema vem da existência de um roteiro escrito.
Certa vez o crítico carioca José Carlos
Avellar se perguntava num livro por que anotamos
os filmes no papel antes de filmá-los, por
que não os desenhamos? Em literatura, é bom
lembrar, o gaúcho Erico Veríssimo revelou
em seu livro de memórias que desenhava suas
personagens antes de começar a compor seus
romances. Enfim, a questão da possível
origem literária de uma certa parte do cinema é complexa.
Mas
o roteiro é tão-somente o esqueleto
de um filme. Um bom roteiro é um ponto de
partida para um bom filme, mas não é garantia.
E que é mesmo um bom roteiro? Pode-se falar
de um bom roteiro -literariamente-e de outro bom
roteiro -cinematograficamente. Os roteiros do sueco
Ingmar Bergman e do francês Eric Rohmer têm
extraordinário peso literário. Já não
se pode dizer o mesmo dos roteiros do brasileiro
Carlos Diegues, cuja armação cinematográfica
chega algumas vezes, como em Chuvas de verão (1978), a produzir obras extraordinárias.
A importância da palavra na literatura é cem
por cento; no cinema é só um dos elementos,
que pode ter relevância como em Rohmer e em
seu patrício Alain Resnais e pode ser secundário
como em Quentin Tarantino.
Aí chegamos
ao cineasta Beto Brant e ao romancista Marçal
Aquino. Brant é admirador de
Tarantino e seus roteiros, cuja parceria com o ficcionista
Aquino é constante, mergulham num submundo
tratado pelos roteiristas com nenhuma literatura.
Mas os filmes são bons, conseqüentes,
envolventes.
O
invasor (2001), o filme de Beto Brant, foi mal lançado
em Porto Alegre e o público
deixou de descobrir uma obra cinematográfica
que poderia seduzi-lo como espetáculo, pois
a habilidade de Brant para a narrativa policial é uma
raridade em nosso cinema; e ele logra este feito
sem concessões comerciais, sem perder o pé na
dura realidade brasileira. A falta de mão
para o gênero policial no Brasil é exemplificada
pelo cineasta Roberto Santucci Júnior e seu
desastrado Bellini e a esfinge (2002). São
muitas as coincidências entre a realização
de Brant e a de Santucci. Ambas nasceram da transformação
de livros (cuja fundamentação literária é discutível)
em filmes. O universo dos dois filmes é o
mesmo; isto é, circula pelas figuras de corruptos,
drogados, assassinos, prostitutas, cuja linguagem é incorporada
aos diálogos de maneira quase naturalista.
A coincidência mais saliente vem da presença
da atriz Malu Mader, que vive nos dois filmes a mesma
personagem: uma meretriz fatal. Claro: o roteiro
de Brant/Aquino é mais organizado, tem mais
cabeça, mas a diferença essencial é o
cérebro cinematográfico que maneja
a câmara. O visual adrede despido e despojado
e os movimentos trêmulos da câmara asfixiam
o observador diante da visão do filme, rodado
inicialmente em 16 mm (o que lhe confere a característica
desfocada própria para o mundo em foco) e
depois passado para a bitola comercial de 35 mm.
A
novela O invasor (2002), de Marçal Aquino, é gêmea
do filme de Brant: o texto literário vinha
sendo elaborado por Aquino e foi concluído
após a rodagem do filme. A Geração
Editorial oferece ao analista algo soberbo: a narrativa
de Aquino e sua transformação em roteiro
cinematográfico. A verdade é que a
tentação do cinéfilo é envolver-se
com o livro graças à memória
do filme, despersonalizando-se criticamente; mas
ao observador literário parece claro que a
obra de Aquino, conquanto bem armada, não
tem peso literário. Não que o submundo
em que mergulhe não mereça voz na literatura.
Há alguns anos o carioca Paulo Lins lançou
um belo e extenso romance, Cidade de Deus (1997),
há pouco vertido para filme (inédito
por aqui) e que vai ao baixo universo dos marginais
do Rio para dali extrair sua pujança literária.
O problema é que O invasor de Aquino parece
isto mesmo: anotações para um filme.
Fazer da literatura trampolim para um filme abastarda
a literatura, assim como reduzir o cinema a mera
literatura pode torná-lo pedante.
No
filme de Betro Brant a palavra é menos
importante do que a posição ou o movimento
da câmara ou a especial fotografia que dá o
tom sujo que interessa para expressar um determinado
meio social. No livro de Marçal Aquino sentimos
falta da sofisticação da câmara
para destrivializar o texto. O roteiro aposto à novela,
roteiro muito técnico, cheio de referências à personagem
da câmara, leitura árida e sem emoção
(diferentemente da novela, que sobrevive graças à articulação
fácil do suspense, e do filme, rodado com
brilho em sua linguagem de cinema), dizia eu que
o roteiro corporifica a ausência da câmara
na novela de Aquino.
"47
EXT. INT. FRENTE E INTERIOR DA CONSTRUTORA - DIA
Plano-seqüência.
Câmera serve de
ponto de vista para mostrar a fachada da construtora
e depois segue em direção à porta.
Câmera entra na empresa e chega até a
recepção onde está a garota
recepcionista, que neste momento está ocupada
falando ao telefone. Ela ergue os olhos, vê o
recém-chegado. Este passa por ela e se dirige
para o corredor, não dando tempo de que ela
interrompa sua ligação para falar com
ele.
Ponto
de vista segue pelo corredor, observando os setores
e funcionários da construtora, que
olham para a câmera/ponto de vista.
Câmera
chega à mesa de LÚCIA."
Esta
cena, no filme, revela a fundamental essência
cinematográfica da câmara no filme de
Brant. A mesma cena, no livro de Aquino, segue o
esquema fácil de todo o livro. Aquino, bom
roteirista de cinema, não logrou topar em
sua novela um correspondente literário para
as rupturas visuais criadas por Brant em seus filmes.
De que O invasor é o ponto alto.
NOTA
FINAL: Se a novela de Aquino é narrada
na primeira pessoa por Ivan, a linguagem cinematográfica
de Brant descarta este recurso "literário",
substituindo este narrador pela câmara, a certa
altura do roteiro chamada apropriadamente ponto de
vista. Da novela para o roteiro-filme algumas alterações
ocorrem, como algumas frases ainda mais naturais
na fala e a troca de nomes: Alaor vira Gilberto,
vulgo Giba, e a prostituta Paula se transforma em
Cláudia, a personagem de Malu Mader. (Eron
Fagundes)
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- Making Of (Legendas
em Inglês): um bom documentário,
sem os padrões gringos, mostrando muitas cenas
de bastidores e depoimentos interessantes, complementares
ao filme, com 23 minutos
-
02 Video Clips (`Um Bom Lugar´ - Sabotage,
`Ninguém Presta´ Tolerância Zero).
-
Bastidores: clipe com cenas de
bastidores, bem curiosas, com 12 minutos e meio.
-
Galeria de Fotos: interessantes, com fotos das cenas
do filme e de bastidores, algumas em branco
e preto (de bastidores, principalmente).
-
Trailer de Cinema
-
Filmografia do Diretor (Beto Brant): na verdade,
trailers de dois filmes do diretor, “Ação
Entre Amigos” e “Matadores”.
-
Prêmios (Nacionais e Internacionais): lista
em texto dos prêmios recebidos pelo filme.
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Mais um bom exemplar de um filme brasileiro, em que
pese a sua temática, não interessante
para alguns. O filme está bem tecnicamente
na sua versão em DVD, há o “problema"
de ser em “letterbox”, ou seja, preserva
o formato original de cinema em wide mas não
permite que todos os que tem TVs neste formato o
apreciem de forma adequado. Mas a imagem está boa,
idem com relação ao áudio, de
acordo com todos os interesses: em multicanal (5.1
para que tem um home theater e em 2 canais para quem
o assistirá numa TV). Os menus são
animados e sonoros, bem realizados. Os extras, de
bom tamanho
e qualidade. Um bom DVD de mais uma obra bem importante
do cinema nacional desta “nova” fase.
Alugue, ou, se gostar pra valer, vale ter na sua
DVDteca.
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