Com
49 minutos adicionais jamais vistos, o diretor ganhador
do Oscar®, Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão)
apresenta a versão definitiva de seu épico
inovador! APOCALYPSE NOW REDUX não é
apenas um grande clássico do cinema, é
uma versão renovada, reeditada e remixada de
um filme que foi considerado com um dos mais importantes
já realizados!
Durante
a guerra do Vietnã, um capitão do exército
americano recebe a missão de resgatar um coronel
que teria enlouquecido e se tornado líder de
uma comunidade na selva. Em busca do desertor, o capitão
e seus comandados assistem a um verdadeiro desfile
de horrores. Drama de guerra baseado no livro "No
Coração das Trevas", de Joseph
Conrad, o filme ganhou a Palma de Ouro no Festival
de Cannes, além do Oscar de Melhor Fotografia
(de Vittorio Storaro) e o de Melhor Som, também
sendo indicado nas categorias de Melhor Filme, Direção,
Ator Coadjuvante (Robert Duvall), Roteiro Adaptado,
Direção de Arte e Montagem.
|
“Essa
factibilidade de crítica impressionista é
uma evidência. Poucas vezes se tem a oportunidade
de voltar a analisar um filme, a repensá-lo
em função do ofício de se ver
sempre filmes novos e opinar sobre os mesmos. Os filmes
que desagradaram continuam desagradáveis para
todo o sempre. Por que revê-los? A quem importa
uma revisão de opinião, uma correção
de rumos? Só ao espectador crítico,
que pode temer expor, dessa forma, uma faceta de sua
personalidade: os seus erros." (Tuio Becker,
num Correio do Povo de antigamente -anos 80 do século
passado).
Quando se tem vinte e quatro anos e se é um
espectador de cinema ainda tateante e eivado de muitos
livros e se vai ver uma obra tão visualmente
requintada e de narrativa tão perplexa e desarticulada
quanto Apocalypse Now (1979), do
realizador norte-americano Francis Ford Coppola, as
possibilidades de erro de julgamento são muitas.
Lembro-me que me impressionei com a força da
imagem de Coppola concebida a partir da beleza da
fotografia de Vittorio Storarro e com o poder persuasivo
da câmara vertiginosa que descia dos helicópteros
sobre Saigon e com o inigualável jogo de luz
e sombra que batia na tela; mas senti falta do "pé
crítico"no roteiro que Coppola e John
Milius (este um artesão de filmes de aventura
há muito desaparecido das telas) extraíram,
muito livremente, da novela de Joseph Conrad (que
eu ainda não tinha lido) O coração
das trevas (1902), transpondo a ação
da selva africana para o interior do Vietnã,
e detestei a excentricidade do cineasta de A
conversação (1974), ainda hoje,
e a despeito do novo conceito que atribuo a Apocalypse
Now, meu Coppola favorito; foi assim naquele
final de 1979, apesar de sua beleza o filme de guerra
de Coppola era somente uma desconversa sobre o conflito
asiático bastante comum no cinema ianque daquele
final de década.
Mais de vinte anos passados, o filme torna aos cinemas
rebatizado: Apocalypse Now Redux
(1979/2000). E Coppola acrescenta-lhe quarenta e nove
minutos, totalizando uma projeção de
196 minutos. Como diz o título deste artigo,
chupado de um daqueles brilhantes ensaios que o gaúcho
Tuio Becker escrevia na imprensa local nos anos 80,
a revisão do filme de Coppola é a descoberta
de outro. Eu mudei nestas últimas duas décadas,
embora ainda aqui e ali minha formação
originalmente literária (que esforço
confessar este defeito apontado por tantos amigos
cinéfilos com que me defrontei ferrenhamente
na juventude!) sinta falta de um "pé crítico";
aprendi a gostar de cinema para além daquele
cinema conversado e do cotidiano que amei perdidamente
em O joelho de Claire (1970), de
Eric Rohmer: curioso, a extensa seqüência
do encontro com os franceses em Apocalypse
Now Redux parece isto mesmo, um filme francês,
conversado, expelindo teorias verbais, concluindo-se
com a bonita seqüência amorosa do soldado
com a garota por entre as cortinas.
Continuo impressionando-me com a intensidade visual
do grande e exagerado filme de Coppola. Mas passei
a descobrir mais coisas. Como ocorre em algumas realizações
do italiano Federico Fellini da fase final, Apocalypse
Now é pura excentricidade, pura quebra
de regras narrativas sem se afastar duma experimentação
comercial; no meio da guerra, a embarcação
dá com um show de mulheres cercado de luzes,
depois os soldados amam as "coelhinhas"
em cenas de diálogos patéticos e visual
fragmentado e atmosfera contidamente erótica.
O acúmulo de cenas belas (a mais fantástica
é a dos helicópteros que baixam a Saigon
bombardeando-a, num delírio metafórico
-todo o filme é um delírio metafórico-ao
som de Richard Wagner) vai gerar um filme esplendorosamente
disparatado e provocativo, que desafia nossa racional
visão clássica de cinema. Pretendendo
ser uma revelação das relações
entre o racional e o irracional, Apocalypse
Now assume a estética do irracional,
sua linguagem é narrada sob o ponto de vista
da barbárie: há sedução
guerreira, deleitar-se com a morte (vista com distanciamento
emocional, como evento estético), na seqüência
dos helicópteros. Talvez somente um outro filme
daqueles anos pudesse equiparar-se ao filme de Coppola
em sua magistral magia de imagens: Cinzas
no paraíso (1978), de Terrence Malick.
Ao rever o filme, deixei-me mergulhar em sua escuridão.
Nestes vinte anos entre a primeira (frustrada) visão
e esta segunda (deslumbrada) fruição
li duas vezes a obra-prima de Conrad. Tirante o fato
de que Coppola se afastou muito do original literário,
pode-se dizer que se trata de posturas estéticas
antagônicas. A psicologia detalhista de Conrad
é substituída em Coppola por um barroquismo
tresloucado, preso num fio em que por pouco não
se despenha na ausência de sentido (que era
a crítica de seus detratores -ainda os haverá,
quem sabe-antigamente: o monstrengo formalista de
Coppola, dizíamos). Todo o lado sombrio, edulcorado
por algumas luzes (todavia) perversas, do filme vai
dar na breve e marcante aparição de
Marlon Brando, careca e gordo, no final; inicialmente
ocultado por sombras, sua face aparece primeiramente
sob o fundo negro, assustadora, influenciando a personagem
de Martin Sheen em sua demência diabólica
caracterizada por um visual arrebatado à medida
que o desfecho (Sheen vai golpear Brando mortalmente)
se aproxima. Aquela voz sussurrada por Brando de maneira
muito particular ("O horror! O horror!")
é o ponto com que a escuridão se realiza
na narrativa; com este som estranho e macabro o filme
conclui-se. Som, música; ficam igualmente ecoando
nos ouvidos os acordes compostos para a faixa sonora
por Coppola e seu pai, Carmine Coppola.
Algumas seqüências do barco do coronel
Willard cruzando a selva vietnamita podem lembrar,
por sua atmosfera, a travessia amazônica da
personagem de Klaus Kinski em Aguirre, a cólera
dos deuses (1972), do alemão Werner
Herzog. Há uma parte do sentimento do espectador
que é o mesmo num e noutro filme: angústia
da espera, o barco a singrar. Mas há diferenças:
a realização repuxadamente visual de
Coppola joga-nos no centro do turbilhão plástico
que é o filme; a plasticidade de Herzog é
de outro naipe, joga com elementos diversos como um
certo silêncio e uma loucura tipicamente germânicas,
tudo em Herzog é mais rigoroso e controlado,
contrapondo-se à ausência de medidas
de Coppola.
Se Coppola difere de Herzog e de Conrad, europeus
cerebrais demais para um americano de origem italiana,
seu filme não deixa de, como nos sombrios trechos
do alemão e do polonês, "conduzir
ao coração de umas trevas imensas."
por
Eron Duarte Fagundes
|