O Grito é a obra-prima do mestre Michelangelo
Antonioni que antecedeu a célebre “trilogia
da incomunicabilidade”. Nesta Edição
de Colecionador, o filme é apresentado em
versão restaurada e remasterizada.
Após sofrer desilusão amorosa com uma
mulher casada, com quem manteve um longo caso e teve
uma filha, o operário Aldo inicia uma jornada
existencial pelas estradas da Itália, em busca
de respostas. Vagando de cidade a cidade, envolve-se
com outras mulheres, à procura de uma saída
para o vazio de sua vida.
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Geralmente voltado para descrever os processos de
desintegração do homem burguês,
que ele conhece bem por ser um deles, o cineasta
italiano Michelangelo Antonioni coloca em O
grito (Il grido; 1957) o universo operário: já não
são pessoas dilaceradas exclusivamente pela
crise existencial, mas homens e mulheres que têm
de lutar por sua sobrevivência e chegam às
vezes a passar fome, elemento novo e inusitado num
filme de Antonioni. O protagonista é um operário
que no início do filme é abandonado
por sua mulher, que o troca por um parceiro mais
jovem (cuja referência não aparece na
imagem, tão-somente nos diálogos do
casal); perdido e perplexo, ele sai a viajar com
sua filha pequena; sua frustrada tentativa de aproximação
a uma ex-namorada, seu relacionamento com uma dona
de um posto de combustível, seu caso com mais
outra mulher logo adiante, sua decisão de
por ônibus fazer sua filha retornar à companhia
da mãe só vão acentuar sua perdição
e sua perplexidade, que, embora as características
proletárias da personagem dêem um toque
diferencial, não se distanciam dos processos
vividos por outras criaturas de Antonioni. Aldo,
o operário de O grito, é tão
dilacerado quanto a mulher que desaparece em A
aventura (1959) ou o desesperado romancista que se afasta
e se aproxima de sua esposa em A noite (1960); isto é,
Aldo é uma gota de seu criador, Aldo é tão
inquieto quanto Antonioni.
A
beleza plástica da realização
de Antonioni nasce muito do casamento que surge entre
a precisa e pictórica angulação
do quadro, a extraordinária utilização
e marcação dos cenários (quase
todos áridas e esfumaçadas ambientações
do interior da Itália) e uma forma pessoal
e introspectiva de dirigir os atores, modulando seus
gestos, indicando seus caminhares, abrindo sutilezas
em suas vozes. As esplendorosas imagens criadas pela
câmara de Antonioni são aqui e ali sublinhadas
por acordes pianísticos, provocando um refinamento
estético que contrasta com a rudeza do meio
retratado.
Um
dos dados surpreendentes de O grito é a
intromissão do componente social. Certo: o
protagonista é um operário, mas poucas
vezes o vemos em seus ofícios (a não
ser quando é empregado de sua amante num posto
de gasolina) e sua consciência de classe se
esvai em suas fumaças existenciais. O componente
social surge mais fortemente nos planos finais: Aldo
voltou ao cenário do início, vê de
longe sua filha, espia pela janela sua ex-mulher
cuidando de um bebê e dispara em sua arrancada
para a grande crise; então Antonioni alterna
os planos dos passos de Aldo com os planos de movimentos
dos trabalhadores do campo que se rebelam contra
a desapropriação de suas terras para
a instalação de um campo de pouso militar.
Estes planos dos trabalhadores têm uma inquietação
política que só toparia equivalente
na filmografia de Antonioni nas agitações
universitárias norte-americanas de Zabriskie
Point (1969).
Os
planos derradeiros de O grito são um novo
triunfo da provocativa ambigüidade de filmar
do cineasta. Aldo sobe por uma longa escada e, chegando
ao topo do prédio, ouvindo sua ex-mulher que
o perseguira naquela arrancada chamando-o lá debaixo,
tonteia, cai e morre, diante do grito (daí um
dos símbolos do título do filme) da
mulher. A câmara de Antonioni acompanha com
adequação estilística a instabilidade
da cabeça da personagem nas alturas, uma espécie
de vertigem: a instabilidade é da câmara
e também da personagem. O espectador não
sabe se Aldo se suicidou, jogando-se do alto, ou
sentiu-se mal e tombou logo depois de ouvir a mulher
chamando por ele e encará-la, nem sabe se
a idéia de suicídio o dominava em toda
a correria que ele empreende no final da película;
assim como nunca poderá saber o que aconteceu
com a desaparecida de A aventura.
Diante
da visão de um filme de Antonioni,
qualquer filme que ele tenha realizado desde Crimes
d’alma (1950) até Além
das nuvens (1995),
eu, um devoto de seu cinema, assistente contrito
de sua genialidade, sou perpassado por um sentimento
envergonhadamente reacionário: valerá a
pena elogiar algum filme de hoje, qualquer filme?
(Eron Fagundes)
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- Trailer de Cinema
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Sobre O Grito: pequeno trecho de um documentário
sobre Antonioni, que está completo no DVD
de A Noite. Interessante, para os fãs
do diretor é obrigatório,
apesar de seus parcos 2 minutos.
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Galeria de Pôsteres: são 5, em diversos
idiomas.
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Vida e Obra de Antonioni: ótima biografia
em texto do diretor, uma boa referência. Tem
sua filmografia completa no final.
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Biografias: dos atores Steve Cochran e Alda Valli,
com suas filmografias selecionadas.
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Mais uma importante obra do diretor italiano, obrigatório
para quem aprecia o gênero. O DVD está muito
bem realizado, com ótima qualidade de imagem
(o formato original de cinema é este, 1.33:1) e bom áudio.
Os menus estáticos
são
simpáticos, os extras medianos, mas de certa
forma suficientes. Este é mais um daqueles
casos em que apenas o filme, pela sua raridade de
disponibilidade no mercado mundial, já é “quase” suficiente.
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