Nos EUA, a maior parte dos desenhos animados da TV
aberta são exibidos aos sábados pela
manhã – horário em que, provavelmente,
a gurizada está liberada de seus afazeres
escolares. Contudo, algumas animações
de apelo também junto aos adultos ganham espaço à noite,
no Prime Time (o Horário Nobre deles). Como
exemplo mais recente temos Os Simpsons, porém
décadas atrás algumas séries
de animação também se consagraram
nesta faixa horária. A produtora Hanna-Barbera
foi pioneira, nos anos 60, ao produzir desenhos animados
para o Prime Time, iniciando com Os Flintstones,
que inovou ao fugir do formato de desenhos curtos
de dez minutos, apresentando histórias completas
com meia hora de duração. A produtora
realizou em seguida Os Jetsons e Manda-Chuva, que
apesar de não repetirem o sucesso de Os
Flintstones,
ajudaram a estabelecer a presença de desenhos
animados no Horário Nobre. Todas estas produções,
contudo, não fugiam às características
consagradas até então no gênero:
eram protagonizadas por bichos falantes ou, no máximo,
por humanos caricaturais, com ênfase no humor
e na fantasia.
Mas
em 1964 o mundo estava mergulhado na Guerra Fria,
e nas telas de cinema o espião
James Bond fazia enorme sucesso combatendo vilões
a serviço dos inimigos da democracia e do
capitalismo. Fatalmente, aventuras do gênero
acabariam chegando à TV, e naquele ano a Hanna-Barbera
decidiu inovar mais uma vez, lançando no Prime
Time a primeira grande série de aventuras
em desenho animado: Jonny Quest. O programa estreou
na emissora ABC no dia 18 de setembro de 1964, e
a partir desta data foram exibidos todos os 26 episódios
que fazem parte deste box-set. Apesar da animação
simples, o desenho tinha um visual atraente, típico
de uma história em quadrinhos. Os personagens
eram desenhados e se comportavam de forma mais realista, à exceção
de Bandit, que seguia a tradição dos
animais da Hanna-Barbera (apesar de não falar),
e era o personagem cômico do grupo. O responsável
pelo visual único (e inédito para a época)
foi o cartunista Doug Wildey, que desenvolveu o formato
do programa e trouxe para a equipe de animação
profissionais ligados aos quadrinhos. As tramas dos
episódios também eram mais realistas,
essencialmente voltadas para a aventura e com elementos
de espionagem e ficção científica.
O que não impedia que, eventualmente, o sobrenatural
acabasse sendo o tema de alguns episódios.
De
um modo geral, a série era escrita como
se fosse interpretada por atores, o que a elevou
a um patamar acima de suas congêneres da época.
Outro destaque eram as invenções de
Quest, como comunicadores e computadores portáteis,
armas lasers, o jato que pousa e decola verticalmente,
mochilas voadoras e outras “traquitanas”,
muitas das quais hoje já são realidade.
Ainda lembro bem da primeira vez que assisti a um
episódio de Jonny Quest, isso lá por
1966. Há certas experiências que, na
hora, você sabe que serão cruciais na
sua vida, e acredite, por mais tolo que isso possa
parecer – no momento em que terminou aquela
introdução, onde ao som do memorável
tema de Hoyt Curtin um garoto era perseguido por
indígenas, soldados lutavam contra uma aranha-robô,
uma múmia atacava, um pteranodonte gritava
em desafio e, ao final, os Quest voavam a bordo de
um jato futurista, eu soube que aquilo era o que
eu mais queria assistir na TV e no cinema. Acredito
que, naquele momento, nasceu minha paixão
pelo gênero fantástico. Também
ali, pela primeira vez, tive consciência da
importância da trilha sonora para acompanhar
a ação (impressão que as ótimas
trilhas incidentais, que Curtin compôs para
a série, só reforçou).
Após
os 26 episódios da temporada 64/65, Jonny
Quest retornou duas vezes à TV – a primeira
em 1986, quando juntou-se ao grupo um homem de pedra
chamado Petrônio (!). Esta segunda temporada,
infelizmente, merece ser esquecida: as tramas dos
episódios eram, para dizer mo mínimo,
sofríveis, sendo a animação
e o desenho dos personagens muito inferiores ao programa
original. Melhor foi a série produzida em
meados dos anos 90, com Jonny e Hadji adolescentes – porém,
mesmo novamente agregando às histórias
elementos mais sérios e tecnologias de ponta,
o programa perdeu o charme e a originalidade que
possuía.
Certamente
que, para os padrões
de hoje, a série envelheceu em determinados
aspectos – algumas histórias, para a
gurizada acostumada a animês muito mais violentos,
parecerão ingênuas, e culturas e países
estrangeiros são apresentados de forma estereotipada
ou politicamente incorreta. Mas tudo isso é reflexo
da época em que Jonny Quest foi produzida,
e na maior parte do tempo a série, além
de ser vibrante e divertida, mostra porque foi um
marco no gênero. Portanto, os episódios
destes DVDs representam o melhor de Jonny
Quest,
e realmente merecem ser considerados clássicos.
Dentre eles alguns se destacam, como “O Mistério
dos Homens Lagarto” (o episódio piloto,
apresentando os personagens Jonny, Dr. Quest, Bandit
e “Race” Bannon, que tentam impedir a
destruição de um foguete tripulado), “A
Maldição de Anúbis” (no
Egito, um conhecido do Dr. Quest rouba uma relíquia
religiosa, despertando uma múmia vingativa!), “O
Robô Espião” (o Dr. Zin, utilizando-se
de uma enorme aranha mecânica, tenta roubar
um invento secreto do Dr. Quest), “Perigo Duplo” (conhecemos
a namorada de Bannon, Jade, que identifica pelo beijo
um impostor que se passa por ele), “O Monstro
Invisível” (a equipe Quest enfrenta
um monstro de energia invisível, criado acidentalmente,
e os heróis utilizam pela primeira vez suas
mochilas voadoras e o jato que pousa e decola verticalmente)
e “Turu, O Terrível” (um velho
utiliza um pteranodonte pré-histórico – Turu
- para forçar indígenas do Amazonas
a trabalhar em sua mina; o confronto entre Turu e
os Quest, que usam mochilas voadoras e estão
armados de bazuca, é antológico).
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Apesar de não serem abundantes, os extras
do quarto disco são bem interessantes, e todos
possuem legendas em português:
-
Arquivo de Jonny Quest: Curiosidades e trivialidades
de "Perigo
Duplo" – O episódio “Perigo
Duplo” é reprisado neste disco, e durante
sua exibição surgem na tela curiosidades
e informações sobre a produção,
personagens, roteiros etc.;
-
Aventuras Animadas: um desenho chamado Jonny Quest – Documentário
sobre vários aspectos da produção,
no qual vários profissionais ligados aos quadrinhos
e à animação falam sobre a influência
que Jonny Quest teve sobre o público e em
suas carreiras. Indiscutivelmente, é o melhor
dos extras;
-
Vídeo
Manual de Jonny Quest – Através
de cenas retiradas de vários episódios,
este extra contém seções dedicadas
a aspectos específicos da série, como
personagens, locações, equipamentos
e vilões;
-
Comercial de P.F. Flyer Sneaker – Uma raridade,
pelo menos para nós no Brasil: é um
comercial, feito pela própria equipe da série,
do tênis branco usado por Jonny em suas aventuras
(ficamos sabendo que os felizardos compradores do
tênis levavam, de brinde, um anel “multi-tarefas”!).
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A embalagem do box-set é idêntica à das
outras séries da Hanna-Barbera lançadas
pela Warner. Há uma luva de cartolina preta,
com uma face em plástico transparente, que
envolve a parte que contém os discos, a relação
de episódios e extras. Cada disco apresenta
estampado um dos personagens principais, e os menus
são estáticos. A impressão que
tenho é que não foi feito um trabalho
específico de restauração para
estes DVDs, tendo sido utilizadas as mesmas masters
dos laserdiscs lançados nos anos 90. Mesmo
assim a qualidade da imagem é muito boa, considerando
que estes desenhos possuem 40 anos de idade. Há disponíveis
legendas em português, inglês e japonês.
O áudio em inglês é Dolby Digital
1.0 (mono), porém claro e com boa fidelidade.
Também foram incluídas dublagens em
japonês e português, igualmente mono.
O áudio em português apresenta a clássica
dublagem da AIC – São Paulo, que contava
com a voz do hoje ator e diretor de produções
da Globo, Denis Carvalho, como “Race” Bannon.
Apesar de ser a opção de áudio
que apresenta a pior qualidade, certamente ela dá um
toque especial de nostalgia para quem se acostumou
a assistir a série na TV. Muitos fãs
norte-americanos ficaram indignados ao descobrir
que alguns diálogos foram censurados no áudio
em inglês. Em dois episódios, “Ao
Soar dos Tambores” e “O Abominável
Homem das Neves”, alguns insultos politicamente
incorretos dirigidos, respectivamente, aos indígenas
e a um vilão oriental, foram eliminados. Felizmente
o áudio em português não foi
alterado, e as divertidas versões nacionais
dos insultos estão lá.
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