LARANJA MECÂNICA (A Clockwork Orange)
Com: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke, John Clive, Adrienne Corri, Carl Duering, Paul Farrell, Clive Francis, Michael Gover, Miriam Karlin, James Marcus, Aubrey Morris, Godfrey Quigley, Sheila Raynor. Direção: Stanley Kubrick Gênero: ficção Duração: 137 minutos. Produção: 1971. INGLATERRA. Distribuidora: WARNER Legendas: Inglês, Português, Espanhol e Francês Áudio: inglês e francês em Dolby Digital 5.1 surround. Vídeo: widescreen 1.66. Região 4.
Sinopse

Do Violento, bombástico, arrebatador, sonoro, dançante e assustador. O alucinado Alex (Malcolm McDowell) tem sua própria forma de se divertir. Sempre às custas da tragédia dos outros. A transformação de Alex de um punk sem moral até um cidadão exemplar doutrinado e sua volta ao estado rebelde, compõe a chocante visão do futuro que Stanley Kubrick elaborou a partir do livro de Anthony Burgess. As imagens inesquecíveis, a música arrebatadora, e a linguagem fascinante utilizada por Alex e sua gangue, foram moldadas por Kubrick neste conto sobre os caminhos da moralidade. Extremamente controvertido na época de seu lançamento, Laranja Mecânica ganhou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Direção da Associação dos Críticos de Cinema de Nova York, e recebeu quatro indicações ao Oscar®, incluindo Melhor Filme (1971). O poder de sua arte é tamanha que ainda nos atrai, choca e nos mantém preso em seu domínio.

Comentário

KUBRICK EM SETEMBRO DE 1978. Laranja mecânica (A clockwork orange; 1971), o mais violento dos filmes assinados por Stanley Kubrick, tido por um dos poucos gênios da sétima arte, chegou aos cinemas de Porto Alegre em setembro de 1978 e este cinemaníaco, então com vinte e três anos, o degustou umas cinco vezes no velho e majestático cinema Cacique, um dos muitos cinemas de rua varridos da geografia da cidade pelas exigências arquitetônicas contemporâneas. Lembro que em todas as sessões em que compareci pessoas se retiravam da sala desde os primeiros minutos; o fluxo de saída de indivíduos era grande. Pensava comigo, irônico em meus vinte e três anos: estômagos fracos para agüentar a violência radical de Kubrick.

Outra curiosidade do lançamento tardio do filme de Kubrick, retido pela censura militar nos anos de chumbo, foi que aquele afrouxamento censório, ainda lento e gradual como tudo naquela abertura política, impôs uma condição para liberar a película: nas cenas de nudez frontal feminino, bolas pretas encobriam as vaginas, dançando ridiculamente na tela.

Mas o filme de Kubrick era tão bom que superava estes contratempos: a insatisfação do público e o circo da censura. A laranja oferecida pelo cineasta, a partir duma obra literária de Anthony Burges, é uma aguda reflexão sobre a violência interna e externa que sofre o indivíduo contemporâneo; o intenso simbolismo da linguagem de Kubrick e sua extraordinária armação visual-sonora permitem a Laranja mecânica sobreviver aos anos. Talvez a banalização da violência no mundo de hoje impeça que o impacto das cenas aja sobre o espectador atual da mesma maneira que agia sobre aquela assustada platéia que se retirava dos cinemas no final dos anos 70; mas certamente seu poder reflexivo deve estar intacto, mais de trinta anos depois de sua realização.


UM CINEMA DE ANTECIPAÇÃO AINDA ATUAL - dvd

(Há alguns meses escrevi um texto encomendado pela dvdmagazine sobre o filme de Kubrick cujo exame agora detalhado se baseia numa visão de cópia em dvd; o texto anterior era extraído da memória e de algumas precárias anotações feitas há vinte e cinco anos.)

Durante uns bons anos a moral dos governos militares brasileiros impediu os espectadores do país de conhecer Laranja mecânica (1971), de Stanley Kubrick. Diziam que nossa censura só liberava o filme de Kubrick com cortes, e Kubrick era um artista intransigente: com cortes, não autorizaria a exibição em parte alguma do mundo. Até que, em setembro de 1978, a lenta e gradual abertura política permitiu a entrada no país de Laranja mecânica, sem cortes mas com um acréscimo grotesco: as poucas e breves imagens de vaginas teriam de ser cobertas por bolas pretas, que nas rápidas e trêfegas cenas de sexo tinham de executar uma estranha ginástica de dança diante dos olhos aparvalhados do espectador. Nos anos entre o lançamento internacional da fita e sua chegada ao Brasil, muito cinemaníaco nacional excursionou a Montevidéu para tapar este furo de sua cultura cinematográfica. Outro dado curioso daquelas concorridas sessões do fim dos anos 70 em Porto Alegre era que, ao longo de toda a projeção, um fluxo de indivíduos se movimentava para as saídas dos cinemas, sintoma de que a violência ininterrupta das seqüências incomodava as platéias da época.

Mais de vinte anos passados, revejo esta obra-prima de Kubrick em sua versão em dvd. A intensa beleza plástica e a força simbólica da narrativa não perderam seu vigor com os anos ou diante da visão em tela pequena. Kubrick é um cineasta original, e penetrar numa sala para ver um de seus filmes era, como acontecia com os lançamentos de um Federico Fellini ou um Ingmar Bergman, preparar-se para degustar um universo diferente, uma forma nada comum de filmar: criatividade em grau máximo. Desde a imagem de abertura, Kubrick fere os olhos do assistente apelando para o inusitado e o pessoal: a maquiagem repuxada e barrocamente exagerada de Alex, na sarcástica interpretação de Malcom McDowell (o olhar mau do ator é um dos eventos do filme), aparece em primeiro plano como para dar o tom de perversidade da narrativa. Os cenários são elaboradíssimos: o antro em que se reúne a gangue de Alex (a leiteria) antes das noitadas de maldades é uma pintura futurista. Os comentários musicais são soberbos, impõem-se por dentro da imagem. Baseado num romance de Anthony Burgess, Kubrick se vale dum dialeto peculiar e cruel nos diálogos, gíria inventada por Burgess a partir de suas experiências londrinas de ruas. Talvez, em face da banalização da violência no mundo e no cinema, o coeficiente de agressividade das cenas kubrickianas não chegue atualmente a prejudicar o estômago de ninguém; mas é certo que a estética de Kubrick permanece intocada em sua grandeza.

Basicamente, em Laranja mecânica, Kubrick faz a radiografia de duas violências, do indivíduo e a da sociedade (que se organiza em Estado para exercê-la). Alex, movido por drogas e pela publicidade visual, é violento e cria sua gangue; Kubrick antecipa um pouco o universo de gangues do final do século XX. Traído por seus comparsas, preso, é submetido ao tratamento Ludovico, um fictício método em que o submetem a um lavagem cerebral para lhe retirar os instintos básicos de violência e sexualidade; o indivíduo perverso vai virar um cordeirinho. Kubrick exubera em gravuras, pinturas e esculturas para dar seu recado; uma das vítimas de Alex, a mulher dos gatos, é golpeada mortalmente por ele com uma peça fálica de escultura. O jogo de complexidade é exercido na caracterização de Alex: ele não é um marginal vulgar; ouve Beethoven depois de suas noites de crimes e estuprou a mulher do escritor subversivo cantando “Singing in the rain”, clássica canção cinematográfica de Hollywood. Kubrick é crítico em relação às próprias vítimas: o velho outrora agredido por Alex vinga-se na mesma moeda, convocando sua tribo de anciãos para dar-lhe um pau quando dá com ele na rua, assim como o escritor que critica por motivos políticos o método Ludovico não deixa de usar o método criticado para judiar de Alex ao descobrir que ele é seu algoz do passado. Kubrick desbanca a hipocrisia humana, amplamente.

A seqüência final, em que toda a trajetória de Alex é usada e invertida pelo governo para fins políticos, o protagonista quebrado (depois duma tentativa de suicídio ao ser torturado com a Nona de Beethoven na casa do escritor que antes ele espancara) e sorridente (afinal, o homem de Estado lhe estava dando comida na boca) numa cama de hospital, é o produto elevado do sarcasmo estético de Kubrick.

Informações Especiais - Extras

TRAILER DE CINEMA

PRÊMIOS: texto em português.

Críticas ao DVD

Este DVD faz parte da COLEÇÃO STANLEY KUBRICK, denominada 'versão 2000 digitalmente editada e remasterizada', o que não duvidamos pela qualidade do produto. A trilha de som está um absurdo de boa! Para quem exige extras em qualquer DVD vai se decepcionar, porque além do TRAILER DE CINEMA (item obrigatório), tem apenas um texto sobre os prêmios obtidos pela produção. Para estes, fiquem tranquilos, que a nossa versão é idêntica aos demais continentes, exceto pelo áudio, que encontramos em alemão e espanhol ainda.

Eron Fagundes

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