Com: Com: Matthew
Modine, Adam Baldwin, Vicent D’Onofrio, Lee Armey,
Dorian Harewood, Arliss Howard, Kevyn Major Howard.
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Um
fantástico elenco foi convocado para estrelar a brilhante
saga de Stanley Kubrick sobre a Guerra do Vietnam e o processo
desumano que transforma homens em assassinos treinados.
Joker (Matthew Modine), Animal Mother (Adam Baldwin), Gomer
(Vincent D´Onofrio), Eightball (Dorian Harewood),
Cowboy (Arliss Howard) e muitos outros são jogados
em um campo de treinamento, onde enfrentam D.I. (Lee Ermey),
um sargento linha dura que os considera menos que vermes.
Com ação de tirar o fôlego, uma história
dramática, diálogos cáusticos, humor
corrosivo e o treinamento rigoroso ao pesadelo do combate
em Hue City, fazem de Nascido Para Matar um marco do cinema.
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O
ESPETÁCULO REFLEXIVO SEGUNDO KUBRICK – Se realizadores
como o francês Robert Bresson, o italiano Michelangelo
Antonioni e o sueco Ingmar Bergman fazem um exacerbado cinema
reflexivo à custa da ausência do espetáculo,
o norte-americano Stanley Kubrick (assim como o italiano
Federico Fellini) insere sua revolução cerebral-visual
no miolo do senso do espetáculo fílmico. Parece-me
que este é o nervo do pensamento do crítico
brasileiro José Lino Grünewald quando se debruçou
sobre o filme-marco 2001, uma odisséia no
espaço (1968), de Kubrick: “Kubrick
fez do espetáculo não só um suporte
(como os suportes dos signos), mas uma indução
ao ato de reflexão – em última instância,
do conhecimento (a arte ou a criação em geral
insere uma modalidade de conhecimento).” Diante disto,
afigura-se precária e ultrapassada aquela idéia
da ensaísta norte-americana Pauline Kael de que 2001
é um milionário filme de amador.
Tomo o gancho de José Lino para expor como funciona
a noção de espetáculo em Nascido
para matar (Full metal jacket; 1987), revisto em
dvd quinze anos depois daquela visão deslumbrada
do verão porto-alegrense de 1988. Nos primeiros quarenta
e cinco minutos o habitual sarcasmo de Kubrick (que esteve
no mais belo filme de guerra já feito, Glória
feita de sangue, 1958, e na terrível obra
de antecipação Laranja mecânica,
1971, de maneira particularmente elaborada e estilizada)
transborda; com muita ironia e precisão a narrativa
acompanha a forma grotesca com que os garotos americanos
são treinados para a guerra, o sargento durão
que implica com o gordo de sorriso boboca é o centro
da tensão que vai explodir na seqüência
de sangue que conclui os primeiros quarenta e cinco minutos
do filme. Nascido para matar se propõe
como uma obra de tese: o ser humano não é
originalmente violento, não é isto ou aquilo,
é uma página em branco que se transforma naquilo
para o qual o educamos. E a sociedade americana (veja-se
o recente Tiros em Columbine, 2002, de
Michael Moore) é educada para a violência e
para a guerra. Como eles detêm o poder econômico
e cultural, nesta onda embarca o mundo todo. Embora se apresente
como uma fita de teoria, Nascido para matar
nunca é pesado ou estático em sua elaboração
de imagens, ainda que Kubrick não abdique de seu
cerebralismo; isto se dá porque o cineasta, como
bem observava José Lino há quase quarenta
anos, faz do espetáculo não somente um suporte
mas também uma indução ao ato de reflexão.
Passados os quarenta e cinco minutos que expõem a
tese de Nascido para matar (a guerra é uma educação,
e não uma necessidade, do indivíduo), caímos
no cenário vietnamita, uma prostituta oriental rebola
pelas ruas, logo veremos bombas, tiroteios, prédios
em destroços, a câmara rastejante acompanhando
os pés dos soldados. Houve quem dissesse que Kubrick
chegou tarde e seu filme vietnamita tinha um jeito de já
visto. Ilusão crítica: na verdade nenhum filme
anterior sobre a guerra do Vietnã foi tão
contundente e estilisticamente tão provocante, ressalvado
o caso de que Apocalypse now (1979), de
Francis Ford Coppola, tem ambientação mas
não propriamente uma temática vietnamita.
A mesma acusação de já visto pesou
sobre O pianista (2002), de Roman Polansky.
Trata-se duma miopia cinematográfica: vêem
a superfície temática e não logram
compreender a habilidade formal dum cineasta (Kubrick ou
Polansky) para dar profundidade a assuntos exaustivamente
repetidos. Assim, Nascido para matar se
coloca como uma das realizações emblemáticas
do cinema dos anos 80.
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