Vencedor
da Palma de Ouro e do Prêmio da Crítica
Internacional no Festiva de Cinema de Cannes, Pai
Patrão é um dos filmes mais aclamados
dos anos 70. Uma obra-prima dos irmãos Taviani,
diretores dos memoráveis Bom Dia, Babilônia
e A Noite de São Lourenço. Baseado
numa história real, este contundente drama
mostra a trajetória de Gavino, um menino que é obrigado
pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no
campo, cuidando de ovelhas na Sardenha, sul da Itália.
Todas as suas tentativas de mudar de vida são
frustradas pela ignorância e pela violência
do patriarca. Com o tempo, Gavino descobre sua única
saída: estudar. Ter a arma que seu pai não
possui: a cultura.
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O
cinema dos irmãos italianos Paolo e Vittorio
Taviani começou a destacar-se internacionalmente
com Pai, patrão (Padre padrone; 1977), premiado
com a Palma de Ouro do Festival do Cinema de Cannes
de 1977, de cujo júri foi presidente o realizador
peninsular Roberto Rossellini, que viria a morrer
pouco depois. É uma saudável coincidência
que Rossellini fosse o presidente do júri
que aclamaria Pai, patrão, pois esta película
dos Taviani se enquadra com perfeição
naquela categoria que o crítico francês
Guy Hennebelle chamou “os filmes tardios do
neo-realismo”, em seu fundamental livro Os
cinemas nacionais contra Hollywood (1975).
Rossellini
impulsionou a alavanca do neo-realismo italiano com
duas obras-primas, Roma, cidade
aberta (1945) e Paisà (1946);
estes filmes, exibidos em pequenos cinemas americanos
nos anos 40, emocionaram
uma atriz de Hollywood, a sueca Ingrid Bergman, que
a partir destas projeções começava
a apaixonar-se por Rossellini e iria gerar a transformação
do método neo-realista numa metafísica
cinematográfica diferente em películas
como Europa 51 (1951) e Viagem
pela Itália (1953). Os Taviani também sofreram a metamorfose
de seu realismo cinematográfico ao longo dos
anos, pois em sua última obra vista por aqui, As afinidades eletivas (1995),
uma adaptação
do escritor alemão Goethe, um inusitado refinamento
literário sobressaía.
Pai
patrão é ainda o auge da essência
neo-realista dos Taviani. Parece-me que sua sensibilidade
específica está mais ligada ao Vittorio
de Sica de Ladrões de bicicletas (1948)
do que aos retratos fragmentados e cronísticos
de Rossellini. As preocupações realistas
dos Taviani se evidenciam na opção
por atores amadores, que permitam captar as rudezas
populares tal como era o escopo de um certo cinema
político (ou politizado) dos anos 70. O amadorismo
dos atores não desmancha a clareza fílmica,
graças à habilidade dos realizadores-manos
para lidar com os elementos aleatórios de
tal estética; e mais: visto hoje, o desempenho
de Omero Antonutti como o pai patrão está entre
as mais brilhantes e verdadeiras interpretações
da história do cinema. Outro dado precioso
do realismo dos Taviani é utilizar o dialeto
sardo, assim como o recente filme brasileiro Desmundo (2003),
de Alain Fresnot, se vale dum português
de época para melhor caracterizar uma realidade.
Despojado
e rigoroso, Pai patrão acompanha
de maneira seca, apoética a infância
e a adolescência de Gavino Ledda, escritor
da Sardenha que contou em livro autobiográfico
suas memórias que agora servem de base para
a realização do filme dos Taviani.
Ao cabo da narrativa é o próprio Gavino
Ledda quem, num processo de desdramatização
dos cineastas, se dirige para a câmara, dando
os retoques finais de sua história e evocando
aquele episódio contado no início da
fita, o pai de Gavino invade abruptamente a sala
de aula para levar seu filho, pois precisa de braços
na lavoura. A imagem final do filme mostra, em primeiro
plano, as costas de Gavino (o verdadeiro), que está sentado
num dos agrestes cenários exteriores em que
se passou sua infância e o filme dos Taviani.
Repleto
de detalhes da vida rural italiana, Pai
patrão tem uma curiosa seqüência
de excitação sexual coletiva (de comunidade)
quando mostra os meninos copulando com bichos (ovelhas,
galinhas) ao mesmo tempo em que se detém na
pressa com que se despem na cama os pais de Gavino
e depois a câmara debruça-se sobre a
vila captando ofegantes respirações
eróticas. Há ligações
de cenas de diferentes fases da vida do protagonista:
o ato de defecar no leite das ovelhas enquanto estão
sendo ordenhadas pelo menino e mais adiante pelo
adolescente; a esperteza de Gavino que se corta no
canto do lábio em criança para dizer
a seu pai que foi agredido por ladrões que
lhe roubaram duas ovelhas (na verdade ele as trocou
por uma sanfona) vai repetir-se com Gavino aos vinte
anos quando em sala de aula para não ir ao
quadro-negro se corta à mesma altura do lábio
em que o fizera em criança. São rimas
visuais simples, habilmente evocativas do tempo,
que provocam no espectador o prazer da descoberta.
Como é prazeroso redescobrir, tantos anos
depois, o sabor duma obra-prima dos anos 70, numa
pequena mostra de “filmes operários” que
o tempo se esforça inutilmente por sepultar. (por
Eron Fagundes)
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