Leonard Zelig (Allen) é um artista camaleão,
cuja insegurança totalmente neurótica
obriga a imitar - fisica e mentalmente - qualquer
pessoa que esteja em sua companhia. Fazendo tratamento
com a Dra. Eudora Fletcher (Mia Farrow), Zelig cura-se
lentamente, e durante o processo evolui de aberração
a celebridade nacional - e até mesmo noivo
de Eudora! Mas quando as manchas do passado da personalidade
múltipla de Zelig começam a aparecer
(furto, bigamia e uma apendicectomia não autorizada),
o camaleão humano tem que fugir novamente,
e Eudora precisa revirar o mundo para encontrar -
e salvar - o único homem que é todos
os homens que ela já desejou!
|
Quando Zelig (1983), do norte-americano Woody Allen,
foi exibido nos cinemas em sua época, a década
de 80 do século XX, foi recebido como a mais
estranha realização do cineasta, aquela
em que ele fugia bastante a suas influências
européias, o sueco Ingmar Bergman, os italianos
Michelangelo Antonioni e Federico Fellini e o francês
Eric Rohmer; mas em anos tão sisudos e contorcidamente
políticos quanto aqueles, sua brincadeira
com o documentário cinematográfico,
que seu filme de ficção mimetizava
admiravelmente (assim como sua personagem mimetizava
o ambiente em que se encontrava), foi tido como uma
curiosa demonstração de talento. Vinte
anos depois, para o cinemaníaco que se dispuser
a rever esta obra-prima curtíssima (setenta
e oito minutos), Zelig assume proporções
extraordinárias, parece tão bom quanto
Moby Dick (1851), o romance de Herman Melville que
Leonard Zelig, o protagonista do filme de Allen,
nunca leu e só o começa pouco antes
de morrer sem ter a perspectiva de conhecer seu final;
e tão cinematograficamente engenhoso quanto
Cidadão Kane (1941), o semidocumentário
do norte-americano Orson Welles que parece ser a
referência mais imediata de Zelig.
O
filme de Allen simula um documentário. Trata
de um homem-camaleão que teria vivido nos
anos 20 na América, sido muito famoso por
sintetizar as criaturas que o cercavam (chinês
entre os chineses, gregos entre os gregos, escritor
entre os escritores, obeso entre os obesos, psicanalista
entre os psicanalistas) e hoje teria sido curiosa
e implacavelmente esquecido. Allen monta seu falso
documentário com habilidade incrível.
Sua personagem, vivida pelo próprio diretor,
muitas vezes acompanhada de sua psicanalista, Eudora
Fletcher, interpretada por Mia Farrow, esposa de
Allen nos anos 80, é vista contracenando com
pessoas de verdade do mundo artístico e político
da época. Allen se vale igualmente de depoimentos
de figuras reais ainda vivas , como os escritores
Susan Santag e Saul Bellow, que falam de Zelig com
extrema seriedade, dando uma cômica credibilidade à mentira
documental armada. Personagem e filme se encontram
em seus símbolos: Zelig, a criatura, quer
parecer-se com as figuras em torno para ser aceito
e amado; Zelig, o filme, quer parecer-se com um documentário
para que sua reflexão sobre a realidade americana
seja aceita e amada.
Hoje,
quando o cinema do iraniano Abbas Kiarostami utiliza
artifícios documentais de maneira
muitas vezes ficcional, a revolução
de Zelig se torna ainda mais atual: seu filme é a
materialização da tese de que o documentário
e a ficção estão mais próximos
do que se pensa. (Eron Fagundes)
|
Este importante e quase “inédito” filme
de Allen (por vezes passou no SBT, mas não
me recordo do seu lançamento em vídeo
no Brasil) tem uma edição bem razoável
para os padrões “Woodyallenianos”.
Tem a versão em wide e um trailer, o que,
para ele, é muito além do que o necessário.
Esta versão nacional ao menos tem a dublagem
no nosso idioma e respeita o formato de cinema em
wide anamórfico de boa qualidade. Finalmente
foi lançado em separado em 2004, não sendo necessária
a sua aquisição apenas em boxes. Um DVD obrigatório
para os fãs de Allen, que, muito antes de “Forrest
Gump”, já de certa forma inovava ao
inserir personagens em momentos históricos.
Esse é um Woody Allen dos bom tempos....
|