ADORÁVEL JULIA FAZ HUMOR COM A ARTE DE REPRESENTAR
 
 

27 de setembro de 2005

 

É muito comum na vida dos intérpretes das artes cênicas, a confusão entre realidade e fantasia. São vários os artistas que levam para a vida diária, reações e condutas que saíram dos scripts que tiveram ou têm em mãos. A ultrapassagem quase sempre involuntária desse limite entre o verdadeiro e a farsa encontra uma sólida personificação em Julia Lambert, personagem criada pelo escritor Somerset Maugham (1874-1865), um inglês nascido em Paris e que teve mais de 100 filmes extraídos de sesu textos, sejam novelas, contos e peças. Alguns em diversas versões. Como Servidão Humana, Chuva e Adorável Julia, adaptado em três filmes para a TV e uns dois para o cinema.

Esta peça, que também foi encenada no Brasil em várias ocasiões (a mais recente com Marília Pêra), ganhou em 2004 uma requintada co-produção anglo-húngaro-americana e canadense sob a direção do húngaro Istvan Szabó. Mais conhecido por dramas como Mephisto e Coronel Redhl, desta vez ele oferece humor romântico. Tudo é muito sutil, permeado com certa melancolia. A trama, agora transposta para a Londres de pouco antes do estouro da 2ª Guerra, novamente enfoca Julia Lambert como uma consagrada e caprichosa atriz do teatro que se vê atraída por um jovem admirador, o americano Tom (Shaum Evans). Ele tem quase que a mesma idade de Roger (Tom Sturridge), seu único filho no casamento com Michael (Jeremy Irons), seu devotado marido e administrador da companhia teatral que produz seus espetáculos. O adultério em si é menos pesado do que as conseqüências dele, em especial da conduta de Tom. Mas assim como Julia é capaz de interpretar com intensidade, ela também é intensa no amor ... e na raiva. Nesse terreno de fera ferida entra o seu conhecimento de interpretar, de fazer jogo de cena. No filme de Szabó, Julia Lambert continua resvalando na farsa quando deveria estar vivendo sentimentos com mais verdade. Essa dualidade que torna a personagem de Maugham notável, ficou mais diluída aqui do que na versão com Lilli Palmer, por exemplo, de 1958. Mas a protagonista cresceu no seu maquiavelismo. E nesse aspecto, o filme tem os seus melhores momentos na meia hora final, quando a arte de representar ganha um sentido bem mais amplo e divertido.

A força da sexualidade também adquiriu maior realce neste lançamento da Paris Filmes. Sinal dos tempos ou da sensibilidade do diretor que não se rendeu a soluções rasteiras e procurou extrair o melhor de cada um de seus intérpretes. Como Annette Bening em atuação premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz de 2004 em comédia. Indicada para o Oscar©, ela conseguiu não tropeçar no que existe de ambíguo em sua difícil e fascinante personagem. A sra. Warren Beatty é uma das principais responsáveis pela fluência da narrativa, visualmente bonita e muito bem servida pela música do canadense Mychael Danna. Enfim, Adorável Júlia não é uma comédia escrachada, mas, com o seu humor refinado, envolve.

Por Alfredo Sternheim