21 de março
de 2005
Quando
se fica muito tempo afastado dos clássicos,
as vezes existe a sensação que revê-los
vai ser uma experiência desagradável,
com cheiro de mofo. Encontrar desgastado pelo Tempo
tudo ou quase tudo daquilo que outróra foi
brilhante é um temor que, as vezes, se torna
realidade. Há pouco mais de um ano, quando
começaram a ressurgir os filmes de Luis
Buñuel (1900-1983) em uma preciosa
coleção em DVD da Versátil, tive
esse receio. Pensei que aquela irreverência
anti-católica então ousada, a sua veia
iconoclasta, ressurgissem totalmente envelhecidas,
sem a força que permitiram à esse espanhol
ganhar merecida fama.
Ledo
engano. Ficou patente agora que o cineasta foi muito
mais do que um ousado artista de vanguarda, faceta
essa que se comprova com consistência em suas
duas manifestações de partida, Um
Cão Andaluz (Un Chien Andalou, 1928)
e A Idade do Ouro (L’Age D’Or,
1930), que estão em um só DVD lançado
há pouco. Ambas ainda causam impacto com suas
cenas surrealistas, principalmente a primeira que
tem participação do pintor Salvador
Dali. Nesse filme ainda impressiona aquela antológica
imagem da navalha cortando o globo ocular.
Mas,
como prova a coleção da Versátil,
- que já distribuiu cerca de nove dos 32 filmes
feitos por Buñuel e ainda promete mais, - ele
não se acomodou na transgressão pura
e simples, na crítica contundente a hipocrisia
da burguesa e do catolicismo. Está certo, esses
elementos estão em boa parte de sua filmografia.
Porém, o cineasta também fez crítica
social, como demonstra de forma contundente Os
Esquecidos (Los Olvidados, 1950), talvez
uma das melhores produções cinematográficas
que já se fez sobre delinqüência
na infância e juventude. E soube ainda, através
de sua visão peculiar (carregando no registro
das perversões e da morbidez), transpor para
a tela clássicos da literatura como O Morro
do Ventos Uivantes (este em Escravos
do Rancor) e Robinson Crusoé
(1952), cujo DVD está em fase de lançamento.
Enfim, sempre teve clareza nas suas propostas, na
comunicação com o público.
Buñuel
enfrentou muitos percalços para fazer a sua
obra. O mais conhecido é a proibição
de filmar em seu próprio país. Uma ordem
do generalíssimo Franco, o ditador que por
cerca de quarenta anos governou a Espanha. Quase um
recorde no planeta; ele só perde para Fidel
Castro em Cuba. Com esses entraves, o cineasta permaneceu
uns 15 anos afastado das câmeras, apenas dirigindo
em Hollywood a dublagem para o espanhol de algumas
produções daqueles estúdios.
Mas essas interrupções e os problemas
criados pela Censura, parece que nunca o desanimaram.
De forma simples, direta, sem nenhum exibicionismo
visual, ele foi a luta e fez filmes que até
hoje oferecem uma impressionante vitalidade. Redescobrir
Luis Buñuel, e ainda sob novas luzes (como
o depoimento de seu filho Juan Luis Buñuel,
incluso no DVD de Um Cão Andaluz)
está sendo não apenas um dever cultural,
mas um grande prazer.
Por
Alfredo Sternheim