14 de março
de 2005
Ainda
hoje, gostar de cinema feito para consumo popular
é considerado um pecado pela maioria dos críticos.
Mas, em um passado não muito distante, era
pior. Como se vivia no Brasil uma época conturbada
politicamente, o patrulhamento ideológico era
maior, a esquerda festiva tinha mais presença
e maltratava aqueles que manifestavam admiração
por filmes feitos para entreter. Porem, sempre acreditei
que a chanchada de hoje pode ser o clássico
de amanhã e em meus pouco mais de 40 anos de
crítica nunca me deixei dominar por esses preconceitos.
Mesmo assim, sofri, fui xingado, até mesmo
por dizer que gostava dos filmes com a Doris Day,
por exemplo.
O
Tempo é um grande juiz e hoje os filmes com
essa atriz-cantora que completa 81 anos no próximo
dia 3 de abril, retornam cercados de maior apreciação.
É o que prova a Coleção
Doris Day que a Universal lançou em
DVD e que traz três títulos com a mais
popular estrela de Hollywoood dos anos 60. Em todos,
ela aparece fazendo dupla com Rock Hudson e tendo
Tony Randall como coadjuvante, como escada para as
gags. Randal morreu em 2004.O pacote é formado
por Confidências à Meia Noite
(Pillow Talk, 1959), Volta Meu Amor
(Lover Come Back, 1961) e Não Me Mandem
Flores (Send Me no Flowers, 1964). Nos dois
primeiros, a história se apoia naquele esquema
de antagonismo que se transforma em amor. Uma fórmula
explorada por Hollywood desde seus primórdios.
Já o terceiro difere, mostra os protagonistas
casados. Equívocos provocados pelo comportamento
hipocondríaco do marido geram o humor agitado.
Quando
Doris fez o primeiro trabalho desta trilogia, ela
já era uma estrela de sucesso, já tinha
provado em O Homem que Sabia Demais,
de Hitchcock, que conseguia também ser notável
como atriz dramática. Mas ela teve a boa intuição
de trilhar por esse caminho de humor romântico
em cima da emancipação feminina que,
na época, começava a ser mais acentuada
no dia-a-dia da população. E a própria
atriz mostrou que podia ser uma mulher de controle
nos negócios: convocou seu marido Martin Melcher
para ser o produtor executivo. É verdade que
ele, ao morrer em 1968, acabou sendo um enganador
como alguns dos personagens de seus filmes: a atriz
descobriu uma série de complicações
financeiras que a empobreceram.
Confidências
à Meia Noite foi um sucesso estrondoso.
Esse e os filmes seguintes permitiram à Doris
permanecer na lista dos dez campeões de bilheteria
por muitos anos. O êxito foi merecido pois as
comédias, bem cuidadas em seu ritmo e nas imagens
de cores claras, divertiam e ainda divertem. A química
entre a atriz e Hudson era perfeita, ele não
era apenas um galã como a crítica da
época insistia em lhe rotular, mas um ator
carismático e natural que dava conta do recado.
Haja visto a seqüência de confusão
com o médico em Não me Mandem
Flores.
Claro,
um ou outro aspecto hoje ressoa algo anacrônico.
Como os então modernos chapéus usados
pela protagonista. Ou certo pudor na abordagem da
atração sexual, pudor esse que naturalmente
existia no comportamento da mulher e que se tornava
maior nos estúdios de Hollywood. Mas os três
filmes são ótimos e se impõem
com as suas características, não obstante
os diferentes diretores (Michael Gordon, Delbert Mann
e Norman Jewinson), todos eficientes.
Rever
Doris Day é um grande prazer. Que venham outras
produções com a sua presença
Por
Alfredo Sternheim