DOIS LANÇAMENTOS TRAZEM O TALENTO DE VINCENTE MINNELLI
 
 

18 de julho de 2005

Durante algum tempo, Vincente Minnelli andou sendo mencionado apenas como o pai de Liza Minnelli, sem maior reverência à sua notável contribuição ao cinema como um todo, e em especial ao musical. Nesse gênero, ele assinou realizações importantes, impôs o seu estilo elegante e preciso, apoiado em um esmero que chega aos mínimos detalhes da encenação.

Para avaliar ou reavaliar as características de sua criação nessa especialidade, nosso mercado de DVD recebeu nos últimos tempos dois dos 37 longas que dirigiu entre 1942 e 1976. Um é A Roda da Fortuna (The Band Wagon), feito em 1953. O outro de 1970, é Num Dia Claro de Verão (On a Clear Day You Can See Forever), sua penúltima realização. São produtos de duas fases bem distintas não só em Hollywood, mas na vida e na carreira desse americano que ingressou nas artes cênicas como desenhista de cenários e figurinos e operetas.

O primeiro é quase uma obra prima. Gira em torno de um famoso dançarino cinqüentão, Tony Hunter, que sai de Hollywood e vai à Nova York em busca de um trabalho mais condizente com a sua idade. Acaba aceitando atuar em uma produção teatral pretensiosa onde contracena com uma jovem, Gabrielle. Surge o conflito de gerações, uma certa hostilidade, alguma luta de egos, em meio de uma análise bem detalhada das loucuras e anseios que cercam a montagem de um espetáculo.

Os acertos começam na própria estrutura dos personagens centrais, com características adequadas a idade de seus intérpretes: Fred Astaire e Cyd Charisse. Os dois não eram muito expressivos. Mas quando dançam... A dupla que trabalhou em outros filmes tinha uma química extraordinária, transmitiam impressionante magia. Principalmente quando bem servidos por coreografias notáveis. Como a da seqüência no Central Park, antológica.

Mas o vigor do filme não repousa apenas em Fred e Cyd. Há outras partes geniais como Triplets (aquela das crianças estilizadas), o primeiro número com Fred cantando By Myself, e logo em seguida, Girl Hunt. São essas cenas, bem como o humor profundo do roteiro e a maestria do diretor que fazem de A Roda da Fortuna um clássico. Seu lançamento em um pacote da Warner com outros musicais dessa fase da Metro (e do produtor Arthur Freed) é auspicioso, especialmente por vir acompanhado de fartos extras em um disco a parte. Tem depoimentos de Liza Minnelli, de Cyd Charisse, de Nanette Fabray e outras personalidades, além de um documentário sobre a carreira de Minnelli (que morreu em 1986 aos 83 anos), com o próprio falando de sua carreira.

Num Dia Claro de Verão mostra a diferença, o diretor trabalhando fora da Metro e sem o produtor Freed. O filme tem soluções ousadas e com a marca de Minnelli no trato da cor, para contar essa história sobre um famoso professor que usa a hipnose para curar uma jovem da compulsão de fumar. É nesse tratamento que o racional professor Chabot envereda pelas diversas vidas passadas de sua paciente, a bizarra Daisy que já foi Melinda em épocas e nações opressivas.

Nessa questão, o roteiro oferece ótimas situações. Porém, o filme acabou sendo menos vigoroso, envelheceu, não obstante cenas lindíssimas, especialmente quando transita pelo universo fantasioso da trama, e quando conta com a voz sempre impetuosa de Barbra Streisand. Só que ela no papel de Daisy/Melinda e Montand como o professor Chabot são frios e pesados como intérpretes. Essas atuações comprometem o resultado geral. Mas vale a pena ver esse lançamento da Paramount não só pelos belos números musicais, mas pela extravagante beleza visual coerente nos figurinos e cenários, linkada ao universo algo hippie de 1970, do clima de flores, paz e amor. Nessa atmosfera, foram proverbiais as participações do desenhista e figurinista Cecil Beaton (de My Fair Lady), que deu unidade gráfica ao produto, e de Jack Nicholson como o meio irmão de Daisy. Ele acrescenta irreverência à narrativa que nos chega em um DVD sem extras.

Enfim, dois filmes que permitem conhecer ou confirmar em maior e menor escala o peculiar talento de Vincente Minnelli.

Por Alfredo Sternheim