18 de abril de 2005
Desde
criança, a gente aprende que é feio
mentir. Mas a medida que vamos crescendo, percebe-se
que a mentira é constante no dia-a-dia. Desde
aquelas mais inocentes tipo “diga que não
estou” até as mais pesadas que ganham
realce. O curioso é que a tolerância
com as grandes mentiras parece ter se ampliado nos
últimos anos. Basta ver alguns episódios
na mídia, onde a mentira jamais poderia ter
vez. Ou ser por ela fabricada. Mas há menos
de dois anos os brasileiros foram surpreendidos com
uma farsa apresentada por conhecido comunicador da
TV e envolvendo colegas e autoridades. A mentira foi
desmontada, surgiram processos, mas o comunicador,
embora tenha perdido respeito, credibilidade e publicidade
(e com isso, muitos de seus funcionários foram
para o olho da rua), ainda aparece em seu programa
com a maior cara de pau. Antes disso, conhecida revista
mensal pagou mico ao publicar entrevista que nunca
tinha sido feita com conhecido cantor/compositor.
Mas a editora logo reconheceu o erro, pediu desculpas
publicamente pelo engodo, fruto apenas da natural
relação de confiança que a empresa
tinha com a repórter que inventou o texto.
Essa
mesma confiança que tem de existir em qualquer
redação provoca o conflito central de
O Preço de uma Verdade (Shattered
Glass), inédito nos nossos cinemas mas que,
felizmente, ganhou lançamento em DVD da Sony
Pictures (ex-Columbia). Creio que, depois do clássico
A Montanha dos Sete Abutres (1951),
de Billy Widler, este é um dos melhores filmes
já feitos sobre a mentira na imprensa escrita.
E sua base é uma história verídica:
a do jornalista Stephen Glass (Hayden Christensen),
jovem que entre 1995 e 1998 brilhou na redação
de The New Republic, em Washington. Espirituoso,
sedutor com seu falso ar tímido, conquistava
a todos que jamais desconfiavam da veracidade de seus
textos. Até que outra publicação
questiona os dados de uma matéria. Gradativamente,
a mentira vem a tona e seu mundo começa a desmoronar.
Assim como o do editor-chefe Charles Lane (Peter Sarsgaard),
que, em meio as maquinações de Stephen,
ao jogo de cena que faz com os colegas, chega a ser
visto como inimigo pela maioria.
A narrativa não é totalmente linear,
se atem quase totalmente ao relato do próprio
Stephen em diversas fases do tempo. Porém,
nem por isso o filme perde em clareza e densidade.
Pelo contrário, graças a notável
direção do estreante Billy Ray, o filme
causa impacto com o comportamento mitômano,
pretensioso e manipulador de Stephen. E esses aspectos
são realçados no desempenho de Christensen,
surpreendente para quem se lembrava dele apenas como
Anakin, o herói de Star Wars - O Ataque
dos Clones. Excelente também a atuação
de Sarsgaard, em trabalho indicado ao Globo de Ouro
de 2003.
O DVD traz nos dois extras uma entrevista com o próprio
Stephen Glass e depoimentos do diretor e do verdadeiro
Chuck Lane. Mas ambos estão sem legendas em
português. Uma pena. Mesmo assim, vale a pena
ver O Preço de uma Verdade,
filme que deveria ter ganho mais espaço na
nossa imprensa. Ou será que ela não
gosta de se ver retratada em condutas negativas? De
qualquer forma, nossos críticos não
poderiam ignorar essa excelente e anti-convencional
criação de Hollywood.
Por
Alfredo Sternheim