Besteirol futurista


Por Juremir Machado da Silva*


               Embalado pela matrixmania fui, logo na segunda sessão, ver Matrix II, o novo fenômeno da indústria cultural norte-americana. Matrix I até que me agradou. Como tudo, em cinema, que tem continuação me cheira a empulhação, fui desconfiado. Não deu outra. Nos anúncios de Matrix II devia estar escrito: “Proibido para maiores de 8 anos”. É um videogame para garotos na primeira infância. Ou para adultos com idade mental não superior a 10 anos. Não fosse tão indelicado, eu diria que é um filme para débeis mentais. O problema é que não chega a ser um filme. Não passa de um simulacro.

               O que há em comum entre Harry Potter, Paulo Coelho e Matrix II? O fato de que a humanidade gosta de ser tratada como criança e adora filosofia de baixo calão. Matrix II é uma obra de auto-ajuda gótica. As máximas filosóficas têm a profundidade de um pires e podem ser resumidas assim: a vida é uma procura; ou quem procura acha; procure bem. A “magia” do filme encontra-se no visual adolescente e nos nomes “assustadores” de tudo: Nabucodonosor, Morpheus, Zion.

               Quase dormi. De repente, percebi que era uma comédia. E comecei a rir. Mas, como ninguém me acompanhava, percebi que estava enganado. Era mesmo uma tragédia. As “máquinas” bem que podiam deixar Zion de lado e destruir os Estados Unidos. Só assim ficaríamos livres do poderoso centro intergaláctico de produção de lixo interplanetário letal: Hollywood e sua fábrica mortífera e patética de efeitos especiais. O roteirista de Matrix II deve ter sido Lair Ribeiro, depois de ter lido as obras completas de Paulo Coelho. Matrix II é a expressão filosófica de Bush II.

               Os rostos enigmáticos dos personagens, as frase bombásticas, as roupas pretas Armani e o final aberto colocam-nos diante da terrível ameaça: tem mais! Até o final do ano sairá Matrix III. A principal virtude de Matrix II consiste em acabar com a conversa afiada e estampar sua verdade acaciana: marketing é tudo.

               É como aquela história de acabar com a violência no Rio. Propuseram ao pessoal da zona Sul: seis meses sem pegar um ‘troço’. A turma chiou: “Pega leve. Não é assim que as coisas se resolvem”. Matrix II é o filme da era em que o cérebro foi substituído por um software de marketing avançado com a missão de atrasar a inteligência do mundo inteiro. Não foi preciso muito.


* Juremir Machado da Silva é escritor, jornalista, tradutor e professor de comunicação na PUC/RS. Durante vários anos trabalhou no jornal Zero Hora, tendo sido correspondente em Paris no veículo e cobriu alguns festivais europeus de cinema. Atualmente, assina uma coluna dominical e às quartas-feiras no Correio do Povo. Entre outros livros importantes, publicou “Cai a noite sobre Palomas” (romance), “Fronteiras” (romance), “Anjos da perdição” (tratado) e “As tecnologias do imaginário” (ensaio). Tem traduzido nomes fundamentais da cultura francesa contemporânea: Edgar Morin, Jean Beaudrillard, Michel Maffesoli, Claude Simon.

(coluna publicada dia 28/05/2003 no jornal Correio do Povo e autorizada a reprodução pelo autor)


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