A Primeira Semana da 27ª Mostra de Cinema de São Paulo

Posso definir que meu final de semana e meu começo da semana até essa quarta foi quase que inteiramente no cinema, e eu não tenho o que reclamar. Vi ótimos filmes na 27ª Mostra Internacional de Cinema. Apesar das filas e das concorrências do Unibanco Arteplex Frei Caneca, consegui ver com tranqüilidade as fitas que selecionei.

Vou começar pelos que menos gostei. Lance de Sorte (produção Irlandesa, Inglesa, Francesa e Canadense), do diretor Neil Jordan, não achei interessante, por ser um filme que começa com ação mas que cai na mesmice de histórias que falam sobre vigaristas gangesters como se vê no cinema americano nos últimos anos. O que realmente segura o filme é a atuação de Nick Nolte, que faz o papel do vigarista que vive na Riviera Francesa cercado de malandros, assassinos e prostitutas. Com uma vida dura, cercada de drogas, vê sua vida mudar quando um amigo lhe propõe um grande golpe, roubar quadros dos pintores mais famosos da Europa. O roteiro do filme poderia ser mais intrigante, pois o golpe só acontece mesmo nos minutos finais da fita o que deixa o resto do filme sem muito sentindo, apenas mostrando a vida do vigarista e seu relacionamento com uma prostituta de quem tenta ajudar o tempo todo.

Se você não é de se impressionar muito com corações, rins e cadáveres, vai gostar da intrigante história do diretor Inglês Stephen Fears (que dirigiu sucessos conhecidos como Minha Adorável Lavanderia e o fabuloso Alta Fidelidade), Coisas Belas e Sujas. Dois Imigrantes ilegais vivem em Londres, um Nigeriano Okwe que trabalha durante o dia como taxista e a noite como recepcionista em um hotel e uma turca Senay (Audrey Tatou, só para refrescar a memória, ela atuou no Fabuloso Destino de Amélie Poulin) que é camareira no mesmo hotel que trabalha Okwe. Ao achar um coração humano em um dos quartos do hotel, Okwe passa a investigar o que poder estar acontecendo de errado no local. Conforme vai conversando com uma amigo que trabalha em um necrotério, acaba descobrindo que muitos imigrantes ilegais trocam seu rins em troca de cidadania inglesa. A partir destas pistas ele descobre que o dono do hotel onde trabalha está envolvido com tráfego de órgãos. As coisas começam a ficar difíceis para Okwe que passa a ser chantageado pelo dono do hotel que descobre que Okwe era médico e que guardava um grande segredo. Okwe além de Ter que livrar sua pele ainda ajuda Senay que mudou de emprego é perseguida pelo seu novo chefe e está na mira da imigração inglesa. Senay por outro lado está disposta a tudo para poder se mudar para Nova York, principalmente doar seu rim em troca de um novo passaporte. Para quem conhece o estilo do diretor Inglês, mais uma opção para se entreter.

No estilo filme teen, Meninas Não Choram (Suécia e Alemanha) se passa na Alemanha com duas garotas, Kati e Steffi amigas desde a infância que enfrentam os problemas decorrentes da adolescência. Em uma das saídas das garotas numa boate, Steffi encontra seu pai com uma outra mulher e quer se vingar a todo o custo do pai e da amante. Nem mesmo a filha da amante do pai fica de fora dos planos de vingança de Steffi que chega a se fingir de amiga da menina colocando-a em perigo de vida. Apesar da protagonista querer se vingar de seu pai, o filme aborda o comportamento dos adolescentes nesse novo século e não importa o país em que vivemos, os problemas de drogas, sexo que os pais lidam nessa idade de transformação são sempre os mesmos. E a maneira como a diretora Maria Von Heland aborda no filme é muito inteligente, longe daqueles filmes teens americanos bobos que parecem nos fazer de idiotas.

A guerra está sempre presente no cinema. Anjo de Guerra conta a vida de uma família Francesa, mãe viúva e seus dois filhos, que estão fugindo de sua cidade e acabam escapando dos bombardeios alemães durante a Segunda Guerra Mundial com a ajuda de um rapaz de dezessete anos. Refugiados em uma casa abandonada, os quatro passam a conviver confinados até serem resgatados e salvos pelos soldados franceses. Yvan o rapaz que salva a família é misterioso, mas acaba conquistando a confiança das crianças eleva comida todos os dias para a casa. Conforme o tempo passa, Yvan percebe que está se apaixonando pela bela viúva (interpretada por Emanuelle Béart) e tenta viver um grande amor ao lado dela. Uma produção francesa simples, mas bela, que resgata o sofrimento dos tempos de guerra, sem mostrar batalhas, mas enfoca principalmente a vida das pessoas que passaram por ela.

 

De produção Italiana pude conferir A Água... O Fogo, dirigido pelo cineasta Luciano Emmer. O filme conta três história diferentes com a mesma atriz. Na primeira ela é Stefania uma mulher solitária que no dia do seu aniversário convida seus filhos para um jantar e eles não aparecem. Desiludida ela resolve abandonar tudo e ir embora para longe. Na Segunda história ela é Elena e tenta se matar no rio Sena em Paris, mas um mendigo a salva e acaba ajudando-a fazendo com que os momentos que ele proporcione para os dois não sejam esquecidos jamais. Na última parte do filme como Stella ela encarna uma mulher de circo casada com um engolidor de fogo , que vive bêbado pelos cantos, e que acaba se queimando em uma de suas apresentações. Stella também tem uma enteada adolescente que trabalha como malabarista. De todas as três histórias a que mais prende e emociona é a Segunda pela sensibilidade e a relação dos personagens.

 

O mais novo trabalho do diretor Australiano Phillip Noyce (que fez O Americano Tranqüilo), é Geração Roubada, a história é verídica, da época em que o Estado australiano roubava crianças de tribos aborígines para trabalharem em serviços domésticos dentro de lares no país no período de 1880 até 1960. O filme relata bem o absurdo que acontecia no país e que até hoje muitos australianos nem gostam de falar no assunto por sentirem-se envergonhados em relação ao mundo. Além da história a fotografia que o Noyce conseguiu retratar no filme é deslumbrante, a Austrália é um país que naturalmente é belo por natureza, o que contribuiu mais para ofuscar nossos olhos, com uma trilha mais envolvente. A última cena em que aparecem as duas protagonistas do filme anos mais tarde, confesso que me emocionei pelo impacto transmitido pelo diretor.

Logo após a exibição do filme para a imprensa houve uma coletiva com o próprio diretor, que falou sobre o filme e seus próximos projetos. O projeto de levar Geração Roubada para os cinemas começou com a compra dos direitos do Livro Folho He Rabbit-Proof Fence, da escritora aborígene Doris Pilkington Garimara, filha de Molly, uma das protagonistas do filme. Com um orçamento de US$ 3 milhões Phillip Noyce conseguiu levar para as telas o filme que foi a Segunda fita mais vista na Austrália esse ano, apesar de haver movimentos contrários em relação ao assunto no país, como ele mesmo afirmou. Segundo Noyce, quando a fita foi projetada para os aborígenes, estiveram presentes 1500 pessoas vindas de diversas partes e muitas delas eram parentes que há muitos anos não viam seus conterrâneos. Mas o filme não para por aí, pois Noyce irá filmar outra parte com os protagonistas de Geração Roubada já grandes, o jeito é esperar.

Quem não se lembra do impacto que causou na 25ª Bienal de São Paulo quando o famoso fotógrafo americano Spencer Tunick fotografou milhares de homens e mulheres nus. O que para muitos pode parecer um absurdo o trabalho de Tunick é extremamente artístico, sem vulgarizar as pessoas que fotografam para ele. É esse trabalho de arte que mostra o documentário Mundo Despido, da diretora Americana Arlene Donnelly Nelson, que mostra a viagem que Tunick fez com a sua equipe, durante um ano ao redor do mundo para fotografar pessoas. Foram diversos países, entre eles Canadá, França (que foi o povo mais chato para fotografar), Rússia, África, Ántardida, e termina com o Brasil. Um documentário muito interessante para quem curte o trabalho do fotógrafo e até para que não o conhece.

 

De todas essas dicas agora eu chego ao meu filme preferido do primeiro final de semana da mostra, sem dúvida, Adeus Lênin foi o melhor deles. Uma história simples, divertida e emocionante é o que o diretor Alemão Wolfgang Becker nos apresenta. No ano de 1989 quando há a queda do Muro de Berlim e a Alemanha se torna um único país a Sra Kerner sofre de uma ataque do coração e fica em coma durante oito meses. Quando retorna do coma seu filho, Alex resolve levá-la para casa, mas esconde de sua mãe sobre a dissolução do regime comunista e da queda do muro com medo que isso afete sua saúde novamente. Para isso Alex faz de tudo para que a mãe não descubra, até a próprias notícias ele forja com a ajuda de um amigo. Um dia quando sua mãe consegue sair na rua ela acaba vendo que o país está completamente mudado e tenta descobrir exatamente o que está aconteceu durante os oito meses em que esteve no hospital. O filme traz muitas situações engraçadas e revela o lado humano de um filho que ama sua mãe e família acima de tudo , coisa difícil de acontecer entre pais e filhos nos dias de hoje, e resgata uma pureza que o cinema atual há muito deixou de expressar.

Bom pessoal fico por aqui , mas volto logo com mais novidades da Mostra. Até mais.

Clarissa Kuschnir

(Imagens de divulgação. Maiores detalhes sobre a programação: 27ª Mostra Internacional de São Paulo)