FESTIVAL SE ENCERRA COM A EXIBIÇÃO DE UM GRANDE FILME: DOGVILLE

A 27 edição da Mostra de Cinema de São Paulo encerrou sua programação nessa quinta-feira, dia 30 de outubro de 2003, com chave de ouro, exibindo o longa Dogville, de Lars Von Trier, o filme mais aguardado da Mostra.

Antes de começar a concorrida sessão, houve a entrega dos prêmios, apresentada por Serginho Groisman, aos vencedores da Mostra. Os eleitos pelo Júri Oficial da Mostra (composto por Anselmo Duarte, Giovanni Spagnoletti, Jim Mc Bride, Kiju Yoshida, Peggy Chiao e Ulrich Felsberg) foram:

Longa de Ficção: o filme Neozelandês A Encantadora de Baleias

Direção: Bent Hamer, de Histórias de Cozinha

Documentário Estrangeiro: La Paisón, de Maria Elena.

 

Os prêmios da Crítica Especializada (inclusive eu fui uma das votantes) foram:

Diretora Estreante: Encontros e Desencontros, da talentosa Sofia Coppola

Filme: Vai e Vem, de João César Monteiro

Documentário: A Captura dos Friedmans, de Andrew Jarecki.

 

Sem dúvida não poderia faltar o Prêmio do Público que é de grande importância para a Mostra:

Curta Estrangeiro: O Último Cliente, de Nanni Moretti

Curta Brasileiro: Carta da Mãe, de Fernando Kinas e Marina Willer

Documentário Estrangeiro: A Alma de um Homem, de Wim Wenders

Documentário Brasileiro: Motoboys – Vida Louca, de Caíto Ortiz.

Filme Estrangeiro: Geração Roubada, de Phillip Noyce

Filme Brasileiro: Sem Passagem, de Ricardo Elias (que também foi o grande vencedor do Festival de Gramado desse ano).

Não só os filmes que saíram premiados, foram feitas algumas homenagens para: o ator e diretor brasileiro Anselmo Duarte, o cineasta japonês Kiju Yoshida, pela grande contribuição de seu trabalho para o cinema (que inclusive teve uma retrospectiva com seus filmes) e sua mulher a atriz japonesa Mariko Okada. Todos receberam o troféu Bandeira Paulista.

 

Antes de eu falar sobre Dogville, que realmente é surpreendente e diferente de tudo que já vi em matéria de linguagem cinematográfica, vou contar um pouco mais sobre os filmes do resto da semana.

Realmente Sofia Coppola mereceu o prêmio da crítica pelo seu segundo longa, Encontros e Desencontros. A fita se passa toda no Japão onde um ator de cinema americano, Bob Harris (Bill Murray) de meia idade é contratado por uma empresa japonesa por um contato de US$ 2 milhões para fazer um comercial de uísque. No mesmo hotel em que está hospedado, há também um casal de americanos, um jovem fotógrafo e sua mulher Charlotte, uma intelectual que passa a maioria do tempo sozinha por causa do trabalho do marido. Cansada do melancolismo do hotel, Charlotte acaba conhecendo Bob e juntos eles vão descobrindo os encantos da cidade de Tokyo e suas noites de muita agitação. As imagens da cidade que Sofia Coppolla conseguiu captar realmente são encantadoras, parece que nós espectadores estamos lá junto com os atores descobrindo os segredos de um mundo completamente diferente. Encontros e Desencontros é imperdível e entra em cartaz nos cinemas brasileiros em janeiro de 2004.

Planos seqüências demorados, melancolia e frieza: essas características podem ser definidas sobre o cinema do diretor chinês Tsai Ming- Liang. Adeus, Dragon Inn define bem essas características em um filme que fala de cinema. A história se passa em uma única noite chuvosa em um velho cinema que irá fechar. Há uma meia dúzia de pessoas assistindo ao filme Dragon Inn, um clássico sobre artes marciais. Entre os espectadores há um jovem que muda de um lado para o outro do enorme cinema por causa das poucas pessoas que o incomodam. Os poucos homens que estão no cinema procuram companhias gays. Tudo é muito louco, não dá para saber o que os personagens estão pensando e a figura que mais chama atenção no filme é a faxineira que manca, mas que trabalha como uma pessoa normal. Todos os planos em que ela aprece são longos e melancólicos. Apesar de não estarmos acostumados, o filme é de certa forma uma obra de grande qualidade e para os que não conheciam o trabalho do diretor, é uma oportunidade .

Na época do cinema mudo o filme era acompanhando por uma orquestra ou um piano, como não vivíamos naquela época seria impossível saber como era, por isso essa 27ª edição da Mostra trouxe alguns filmes mudos com acompanhamento musical de piano como se estivéssemos vivendo no começo do século passado. Eu não poderia deixar de ver, consegui assistir à dois filmes. O primeiro Alexandre O Grande, do cineasta sueco Mauritz Stiller (que ganhou uma retrospectiva na Mostra). Para quem não conhece Stiller foi um cineasta de grande importância em seu país e revelou a grande estrela Greta Garbo.

 

O musical Chicago, grande vencedor do Oscar 2003 não foi a primeira adaptação para o cinema, muitos anos antes em 1927, o cineasta Frank Urson filmou a história da famosa assassina Roxie Hart. Eu por ser fã de Chicago não perdi a oportunidade de ver essa adaptação com acompanhamento musical, realmente foi uma experiência e tanto.

 

 

 

O cineasta François Ozon (Oito Mulheres) sempre surpreende no final de seus filmes, o seu mais novo trabalho Swimmng Pool, é de deixar que cada um entenda do jeito que quiser, ou seja, dá para ficar pensando uma meia hora depois que o filme acabou exatamente o que acontece no final. A história fala sobre uma escritora inglesa Sarah Morton que está passando por uma crise emocional. Para que possa escrever seu mais novo livro, seu editor empresta sua bela casa de veraneio no sul da França. Com uma bela paisagem e um lugar cheio de paz, Sarah começa a escrever seu livro, só que seu sossego vai embora quando chega a bela filha do editor, uma adolescente inconseqüente que entra em conflito com Sarah, mas que no fim pode ser o grande gancho para o mais novo livro de Sarah.

Na lista de filmes o cinema Iraniano não ficou de fora, Ouro Carmim foi um dos melhores filmes que vi. O roteiro escrito por Abbas Kiarostami foi muito bem dirigido pelo cineasta Jafar Panahi, que consegue segurar o tempo todo a atenção do espectador (diferente de alguns filmes iranianos que são parados) na história narrada em Flashaback sobre um homem que vive duas realidades: ao mesmo tempo que é um ladrão durante o dia e trabalha à noite como entregador de pizzas. As muitas cenas que mostra o protagonista como entregador de pizzas ele passa por situações diversas, principalmente na casa de um homem rico que faz com que o entregador entre e divida a pizza com ele por se sentir solitário, essa é umas das melhores partes do filme. Outra parte é quando ele tenta entregar a pizza em um prédio luxuoso, mas é impedido pela polícia que é obrigada a prender todas as jovens que descem de uma festança que não aparece no filme, só dá para ouvir a música. Algumas cenas do filme sofreram cortes devido à política moralista que o país prega, mas com certeza é uma bela crítica ao regime tão rígido que vive a população do oriente médio.

A produção Osama, do Afeganistão, fala sobre uma garota que é obrigada a se disfarçar de homem (parecido com o filme iraniano Baran) para poder ajudar sua mãe e sua avó que passam fome. Vivendo perfeitamente como menino, a garota passa a conviver junto com os meninos que tem sua idade, mas seus planos falham quando é descoberta pelos talebãs que a condenam a morte. Pedindo clemência, a garota acaba sendo libertada, mas é obrigada a casar com um velho que tem quatro esposas sob péssimas condições, sem poder jamais ver sua família novamente. Osama foi realizado logo depois da queda do regime talebã no Afeganistão.

 

Mas nem tudo agrada em um festival de cinema internacional, foi o que aconteceu com a fita Húngara Dias Agradáveis, que de agradável não tem nada, uma história chata sobre uma garota que vende seu filho para uma conhecida cuidar, mas que depois se arrepende o quer de volta. No filme Alemão Tirando a Roupa fui com uma expectativa pelo próprio título e vi que a história era mais filosófica e brigas entre casais do que erotismo. Em compensação, A Janela da Frente (produção Italiana, Inglesa, Turca e Portuguesa), do diretor Ferzan Ozpetek o mesmo de Um Amor Quase Perfeito, resenha que fiz para DVD), é de uma sensibilidade enorme e realmente nos faz derrubar algumas lágrimas ao final do filme.

Finalmente chego ao término dessa maratona e não poderia deixar de ter visto Dogville, do cultuado cineasta dinamarquês Lars Von Trier. É preciso coragem para tamanha ousadia em uma fita onde não há cenário é como se estivesse sobre um palco com alguns objetos espalhados pelo chão, mas que instigam muito nossa imaginação, pensamos realmente se está em um pequeno vilarejo chamado Dogville durante a grande depressão americana. A cidade parece tranqüila até a chegada de uma bela mulher, Grace (Nicole Kidman), que está fugindo dos gângsters e acaba ficando em Dogville, mudando para sempre a vida das pessoas que vivem ali. O que achei sensacional é que o filme é todo narrado em off (pelo ator Jonh Hurt) e é divido em capítulos como um teatro. E não se preocupe com as três horas de filme, pois um bom diretor é aquele que não faz parecer o filme exaustivo, muito pelo contrário, o filme envolve de tal forma que é difícil desgrudar os olhos da tela. Dogville é apenas a primeira parte da trilogia sobre os Estados Unidos e que foi de grande ousadia do diretor, por ser filmado fora do país (assim como fez com Dançando no Escuro) e que faz uma forte crítica a sociedade. O filme entra em cartaz em dezembro de 2003 nos cinemas brasileiros, assim como alguns filmes da mostra serão lançados durante esse ano e o próximo. Portanto, essa grande obra de Lars Von Trier é programa obrigatório para os cinéfilos de carteirinha.

Durante essa duas semanas eu viajei pelo mundo sem sair da minha cidade, uma experiência que nos enriquece a cada ano, com cada filme que vemos não importa se seja bom ou ruim, o que interessa é a mensagem que cada um proporciona e o que tiramos de lição desse maravilhoso mundo da sétima arte.

Para os que ainda querem ver alguma coisa da Mostra, é só entrar no site para obter informações sobre a reprise dos melhores filmes, que vão até terça-feira, dia 4 de outubro de 2003.

Até a próxima!

Clarissa Kuschnir


Ps. Acompanhe todos os detalhes no site oficial da Mostra.