Fã por toda a vida de Fórmula Um, Manish Pandeu desenvolveu e escreveu o deslumbrante documentário Senna, que explora a extrema dedicação exibida pelo – discutivelmente – maior piloto de F1 do mundo, Ayrton Senna. O filme segue a ascensão do brasileiro até se tornar um tricampeão mundial apesar de suas batalhas com os administradores do esporte e seus rivais na pista, finalmente culminando em sua trágica morte Grand Prix de San Marino em 1994. O filme é dirigido por Asif Kapadia e é o primeiro documentário da produtora Working Title. Senna venceu o prêmio World Cinema Documentary Audience Award no Festival de Sundance deste ano.
Parabéns pelo prêmio em Sundance: ter um desempenho tão bom nos Estados Unidos deve ser um impulso, não é? Eles não conhecem Senna tão bem quanto o resto do mundo...
Sabíamos que faríamos um filme que apelasse para todo tipo de pessoa. É sobre um personagem que parte em uma jornada. Esse seria meu subtítulo para o filme: Senna – A Derradeira Jornada. Além disso, os americanos terem reagido tão bem a ele é a maior indicação de que não fizemos um filme apenas para fãs de F1. Fomos educados acerca do que é importante em uma história como esta. Tive que me relembrar a todo momento: “Traga sua paixão, traga seu conhecimento, mas deixe a F1 de fora. Deixe na porta do filme, se deixe ser levado na jornada e seja brutal.”
Você possui uma estrutura de três-atos bem legal no filme...
A razão deste filme ser tão especial, à parte do fato de ser sobre meu herói, é que nós criamos uma estrutura de três-atos usando técnicas de roteiro de 1920. Introduzimos nosso personagem, temos a ascendência e depois um ponto de virada – que é o campeonato. Você acha que o filme terminou, mas aí você se dá conta que muita política é inserida na história. No próximo ato, é ele superando isso; não importa o que você almeje, aquilo volta e te acerta na cara, e isso é a vida. É por isso que acredito que este filme funcione. Finalmente, o terceiro ato é a morte do herói, por máquina.
E ainda assim Senna não é a jornada heróica arquetípica, não é?
Não. Eu lembro da segunda exibição do filme em Sundance. Eu entrei na sala faltando mais ou menos 15 minutos antes do fim e foi minha primeira vez sentado assistindo as pessoas que assistiam ao filme. O cinema estava completamente cheio e haviam umas duas pessoas nas quais eu poderia me focar totalmente. Um era um homem de aparência latina, careca, por volta dos 50 anos, chorando ao longo dos 10 últimos minutos. Ele estava apenas chorando silenciosamente. Ainda não havia chego no acidente, mas você podia ver que ele sabia a história. E do lado dele uma mulher que pelo visto parecia vir do Upper East Side de Nova York, e de repente eu me dei conta de que a maior parte dos americanos não sabem o que aconteceu. Eu assistia o rosto desta mulher e eu podia ver a reação dela. Ela estava assistindo a última volta e foi aí que ela se deu conta, “Ai, meu Deus!”. Quando o acidente finalmente aconteceu ela cobriu o rosto com as duas mãos; ela não pulou, já que não foi este tipo de choque. Foi um choque emocional e ela chorou. Um de nossos produtores, Kevin Macdonald, disse que você tinha que lembrar de que se trata de uma tragédia, e eu tenho estado muito resistente a isso por meio de todos os seis anos da produção deste filme.
E por que isso?
Você não quer que seu herói tenha que morrer e eu tenho mantido ele vivo por meio de video, etc. Eu não tenho nenhuma conexão física com ele. Porque ele não poderia ainda esta vivo? Ele é um abstrato para mim, estranhamente. Ele estando agora morto para mim foi a melhor coisa sobre isso. Eu pude engavetar o que era uma obsessão, para ser bem honesto. Normalmente, como escritor, eles te colocam lá atrás, mas Universal e Working Title foram maravilhosos em me deixar partir na mesma jornada que o diretor. Tem sido maravilhoso poder falar sobre também; tem sido como terapia para mim.
A história realmente soa como uma tragédia, certo? Ele não é o Campeão Mundial ao fim do filme, quando ele bate no canto em Imola...
Ah sim, e se você pensar sobre o que compreendemos como uma jornada de herói, e nos termos de Senna, aquele desfecho não está disponível. Não poderíamos dizer que ele vence o corrida. Ele não foi o campeão mundial ao fim de 1994 vencendo na última volta do último Grand Prix. Se há um final feliz nós ficaríamos muito felizes; e na verdade acredito que há um lado positivo para esse filme e é quando Senna estava dirigindo; o que sempre foi uma experiência muito espiritual para ele. Ele conseguia alguma espécie de nirvana disso e acho que você pode ver que o problema para ele foi que ele estava efetivamente incompatível com F1. Ele tentou tanto ser puro e ainda assim teve que se comprometer constantemente.
A família normalmente não sanciona projetos cinematográficos sobre Senna e ainda assim você conseguiu persuadi-los. De que forma?
Estando em uma reunião frente a frente e tê-los assistir mais de 2 horas de filmagens em arquivo que tínhamos, isso foi importante para eles verem que não estávamos tentando explorar a história. Tivemos essa conexão cara-a-cara.
E você teve algum acesso às filmagens caseiras deles...
Há um momento com Senna como tri-campeão mundial onde ele está em cima do mundo e ele voa até o pôr-do-sol em seu helicóptero. Acho que ninguém que assiste essa gravação pensa “você é um cara super privilegiado que caiu nessa”. O que você vê é um homem muito contente, muito feliz por um pequeno momento de sua vida. Foi maravilhoso poder pegar gravações da família. Você não pode filmar ou inventar esse tipo de coisa. Há um pedaço de metragem em que eu simplesmente penso: “Uau!”. Levaram 5 meses e meio para finalmente conseguir o vídeo; encontrar, assegurá-lo, transferi-lo, limpá-lo e decidir o que poderíamos usar. Foi um verdadeiro trabalho de detetive.
Houve alguma resposta particular ao filme de algum membro da família que foi particularmente comovente?
Sim. De Viviane em Maio do ano passado, em Cannes. Mostramos o filme a ela e ela chegou até a gente chorando e disse: “Você conseguiu, você encontrou aquele equilíbrio entre seu gênio e sua humanidade”. Para mim, isso resume o filme e ter vindo de sua irmã é muito especial. Ron Dennis também foi muito emocional quando ele viu o filme. Ele chorou. Estávamos mais ou menos em 12, já que foi uma exibição privada. Ele não foi histérico, mas você poderia ver que este homem havia revisitado dez anos de sua vida. E Ron é um homem tão grande e ainda assim foi uma resposta emocional muito honesta.
Como encontrou Bernie Ecclestone, que lhe deu tanto acesso sem precedentes aos arquivos da F1 em Biggin Hill?
Nos encontramos com ele uma vez e ele não precisou nos ajudar, mas apertou nossas mãos e nos deu tudo que queríamos, acesso sem precedentes.
Presumidamente motivado em parte por sua própria afeição por Senna?
Aparentemente, ele tem apenas uma foto de um piloto em sua casa e é do Senna. Quando Senna ia até a Inglaterra ele ficava com Bernie e conhecia sua família muito bem. Senna foi um cara muito humilde. Ele costumava aparecer literalmente a tempo de tomar banho, dormir e trocar de roupa. Aparecia lá com sua escova de dente.
Você idealizou Senna por tanto tempo, Manish: o que você aprendeu desse processo?
No final das contas, o fato é que ele era um cara adorável e esse é o grande ponto. Não é hagiografia. Você não precisa fazer isso. Você percebe ao final do filme que ele foi um ser humano que morreu de maneira muito trágica e bem só. Havia certa dignidade à sua pessoa. Ele era um bom homem.
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