MATRIX REVOLUTIONS

por Felipe Goulart

“Matrix Revolutions” foi para mim como a pílula vermelha da história. Depois da experiência, passei a enxergar o quão picareta é Hollywood. Toda aquela magia e fantasia na qual tinha me envolvido desde 1999, numa sessão no extinto Iporanga 2, quando pela primeira vez fui apresentado a Neo, Trinity e Morpheus, foi por água abaixo.

Me senti lesado ao sair do cinema. Sabe aquele famoso bordão usado num desses programas humorísticos da tevê (se eu não me engano é o Francisco Milani quem diz), “... e Eu acreditei!” ? Pois é... foi com este sentimento que sai da sessão.

Depois de todo aquele hype em cima do segundo (“Reloaded”), aquela campanha de marketing maciça, todo um universo paralelo criado em torno da trilogia: o DVD “The Matrix Revisited” (um disco lançado após o sucesso de vendas do primeiro “Matrix” em DVD, só com documentários de Bastidores), o game “Enter the Matrix” (que seria uma história intermediária entre os novos filmes), a série de curtas de animação “Animatrix” (que procurava esclarecer melhor alguns detalhes do sistema) e, principalmente, as promessas de uma nova revolução no cinema. E isso é o que mais me aborreceu e decepcionou.

Durante praticamente dois anos, vinha acompanhando as especulações que surgiam sobre estes dois novos episódios (“Reloaded” e “Revolutions”, rodados simultaneamente). Pela primeira vez desde o “boom” da Internet, conseguiram manter sigilo em cima de uma produção. O segredo foi total, e somente muito pouco tempo antes da estréia de “Matrix Reloaded”, ou seja, Maio deste ano, soube-se a sinopse do filme. Além disso, uma ou outra foto que não diziam muita coisa a respeito era divulgada. Os boatos eram os mais diversos e fantasiosos possíveis (e hoje, após ver o terceiro, percebo que muitos deles até que seriam bem vindos).

É fato que o “Matrix Reloaded” decepcionou muita gente. Era confuso demais e deixou muita gente “a ver navios”. Mas os mais esperançosos ainda tinham uma boa vontade para com o filme, entendendo que talvez, quando viesse o terceiro Matrix, justamente este “Revolutions”, as coisas se explicariam melhor, o ciclo se fecharia e o filme passaria a ter mais sentido.

Pois é... “Matrix Revolutions” até fecha algumas das portas abertas no segundo filme. Mas não todas. Mas o pior não é isso. É que se esperava, no mínimo, que a trilogia viesse numa crescente, que o três fosse melhor que o dois (ainda que “Reloaded” não tenha superado o Matrix original). Ou seja, mais ação, seqüências mais bem elaboradas, efeitos visuais de cair o queixo (e presenciarmos um novo marco no Cinema dos efeitos digitais), além de descobertas e revelações na trama central.

Mas nada disso acontece. Durante a projeção, o filme não chega a incomodar. Pelo contrário, prende a atenção, diverte e cria certa expectativa tanto para a resolução quanto para o combate final.

Só que quando surgiram os criadores da Matrix dialogando e eu percebi que a coisa ia acabar por ali mesmo, com um papinho esfarrapado, e que várias dúvidas ainda não tinham sido esclarecidas, o sangue começou a subir a minha cabeça e fiquei furioso pela pilantragem da forma que terminou.

Explicar os motivos de toda essa minha decepção é uma questão um pouco delicada. Qualquer crítica que se preze, que deva ser levada em consideração, tem que ser fundamentada, justificada, um mínimo que seja, senão não se tem credibilidade.

Mas como posso fundamentar as falhas (na minha opinião), sem citar fatos e seqüências do filme? Fica complicado, porque apesar dos pesares, ainda que não de uma forma satisfatória, o filme fecha o ciclo, “encerra” (entre aspas) a trilogia. É o capítulo “final” (também entre aspas!) que procura explicar e dar rumo à história e aos personagens.

O primeiro e principal fator é que esse filme deveria (e assim foi prometido), ter seqüências de luta/ação ainda mais espetaculares do que o segundo. Ora, vejamos, neste “Revolutions”, há apenas três combates que merecem ser citados: 1) na Boate Sadomasoquista de Merovingian (e a maravilhosa da Monica Belucci, com um decote de tirar o fôlego) com Seraph (o oriental guardião da Oráculo) e mais a Trinity e o Morpheus; 2) O grande duelo de Zion contra as máquinas/sentinelas; 3) E obviamente a tão falada e aguardada luta entre Neo e Smith embaixo de chuva torrencial, com um platéia de milhares de Smith nas laterais. E só.

Se elas ainda fossem inovadoras, revolucionárias, algo nunca antes visto no cinema, ainda vá lá... compensaria. Mas nem isso. A primeira na boate é contra aqueles Vampiros, que “voam”, ficam de cabeça pra baixo e tudo mais... tem certo humor. A segunda, das máquinas é muito bem elaborada, totalmente convincente, porém não passa de um enorme videogame. E a terceira, que teria que ser o ápice de toda a coisa, a resolução da trilogia com chave de ouro, é extremamente banal. Neo luta apenas com um Smith (os outros ficam só observando), e assumem completamente o estilo super-herói, com lutas no ar, os dois voando e tudo mais. Também é bastante competente, mas lembra muito a briga que o Superman teve com os marginais de Krypton, no seu segundo filme (que é de 1980!).

Claro que esse tem uns ângulos mais inventivos, entre os prédios, mas e daí? É tudo software mesmo... não vejo muito mérito na coisa....

Deixa eu me explicar melhor. É que o produtor Joel Silver, há dois anos vinha falando que essa seqüência custaria uma boa parte do orçamento do filme (entenda por algumas dezenas de milhões), que usariam helicópteros em vôos delicadíssimos entre os arranha-céus de Sidney, na Austrália, e que seria tão caro e usaria uma técnica tão complexa, que nenhum outro estúdio os conseguiria imitar/plagiar.

Mas o que vemos na tela é uma luta bastante inferior àquela contra os 100 Smiths de “Reloaded”. No que diz respeito a coreografia de golpes de artes marciais, nada traz de novo. E no principal, que seriam os efeitos digitais, também em nada impressiona. Neo e Smith fazem umas acrobacias aéreas (que não dá pra perceber se foram feitas em gravidade zero, como vinham apregoando ao longo da produção, ou suspensos por cabos), evidentemente de fronte a tela azul ou verde, com os prédios e Smiths postos posteriormente no computador.

O único take que eu destaco é um soco que o Keanu Reeves dá no Hugo Weaving e a câmera (captando em alta velocidade) acompanha a mão dele numa espécie de bullet-time, mas com um super slow motion. Essa é bem legal, mas não é suficiente.

Foram gastos todos esses milhões de dólares só para viabilizar essa seqüência “virtual” em computadores? Definitivamente acho que não vale a pena.

Só para não perder o elo e justificar a superioridade do “Reloaded”, eu destacaria pelo menos 7 boas e superiores seqüências de ação daquele filme: 1) Trinity logo no início invadindo o prédio com uma moto e depois saltando pelos vidros (que é reprisada depois com mais detalhes); 2) a primeira luta de Neo contra os Agentes (durante a reunião do comecinho do filme); 3) Keanu Reeves enfrentando Seraph, para poder falar com a Oráculo; 4) a grande batalha de Neo contra os 100 Smiths; 5) a briga de Neo contra os “Vampiros”; 6) a fantástica perseguição pela Highway (isso incluindo a parte do carro, da moto e do caminhão); 7) a explosão da Usina de força e toda a invasão do prédio do Mainstream.

E olha que isso tudo foi assim de supetão, apenas de memória, sem rever o filme nem nada.

Prefiro não argumentar mais no momento pra não correr o risco de estragar alguma revelação para aqueles que ainda não viram.

Este terceiro capítulo da trilogia começa faltando 20 horas para as máquinas invadirem Zion. Os tripulantes da Nabucodonosor estão à procura de Niobe e Ghost (os protagonistas do game “Enter the Matrix”, que estão sem contato e com a nave avariada).

Neo e Bane (possuído pelo programa Smith) continuam desacordados numa espécie de coma. Na seqüência vemos Neo acordando numa inóspita estação de Metrô, completamente perdido, amparado por uma garotinha indiana. A garota explica que aquele lugar onde eles estão, não é nem dentro nem fora da Matrix (é uma espécie de Limbo), uma parte do sistema onde os programas são inseridos na Matrix, sempre com a autorização do controlador, Merovingian (o francês do restaurante). O pai da garotinha já começa ensaiar a filosofia do filme (que é mais simples do que a do “Reloaded”). Tudo se resume ao significado das palavras Karma e Amor, ou melhor no Existencialismo de “Porque eu estou vivo?/ Para que eu sirvo?/ Qual é a minha missão?”.

Trinity descobre que há algo de errado com as ondas cerebrais de Neo e junto com Morpheus vai até a Oráculo – feita por uma nova atriz, já que a anterior Gloria Foster, morreu inesperadamente durante as filmagens (até que se saíram bem nas explicações e na pequena alteração da trama para justificar a nova aparência da personagem, até com certo humor).

Dali em diante a história vai se sucedendo naturalmente e não tenho mais muito o que falar, sob o risco de contar algo que não deva.

Pode ainda se alegar que eles quiseram fazer um filme propositalmente despretensioso. Não concordo. Pra mim esgotou a fonte mesmo.

Mas não podiam encerrar com um final em aberto, com uma gancho para possíveis continuações futuras. Ainda que Andy e Larry Wachowski jurem que não haverá um quarto Matrix – O que é muito improvável neste mundo de Hollywood, onde o que se fala não se escreve, e onde se vende “gato por lebre”... e o pior é que a gente cai na deles. Sofremos uma lavagem cerebral com esse bombardeamento na mídia e ficamos todos com uma síndrome de alucinação coletiva (ao menos no Brasil não se tem notícia de fãs que seguem a Matrix como uma religião, como em outros países do mundo!). E como o que fala mais alto sempre é o dinheiro.... é muito provável que continuações caça-níquel surjam no futuro (nem que isso venha a demorar alguns anos).

Agora só me resta apostar minhas últimas fichas no “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (esse eu espero e torço para que não me decepcione), porque o terceiro episódio de “Star Wars”... puff.... é tanta lambança que já nem esquento mais minha cabeça...!


* Felipe Goulart é editor assistente de Rubens Ewald Filho e assina a coluna Trailer aos sábados, no jornal A Tribuna, de Santos, SP.

E-mail : goulart_cinema@yahoo.com.br