(de Marcos Fernandes Barbosa)
Não podíamos dizer que não
fomos avisados sobre o quão violento era aquela parte da cidade. No entanto,
lá estava eu e minha esposa, de frente para aquele velho sobrado que a partir
de agora seria nosso novo endereço por um bom tempo.
Anie, minha esposa desceu
na frente e dirigiu-se a porta com a chave já em punho. Eu retirava algumas
bagagens da nossa Pick-up e colocava-as ao chão próximo ao velho portão. Levantei
a cabeça e numa breve olhada para rua pensei em como não tinha notado que esta
era tão deserta. As velhas casas ali eram semelhantes umas as outras, com um
imenso jardim na frente e com cercas de madeira podres que um dia foram brancas.
Talvez nem metade delas estivessem ocupadas , o que não era problema algum para
mim, que estava cansado da agitação da cidade grande.
Foi quando voltando de meus
pensamentos, por um instante pensei ter visto um vulto de uma pessoa nos fundos
da casa ao lado...
"Bem, é possível que tenha
morador"- pensei levantando uma caixa e levando para dentro. Tinha muito a fazer
naquela noite.
Duas semanas se passaram,
e já estava acostumado com o sossego do novo lar. Minhas férias haviam acabado
há três dias e estava voltando agora de uma pequena viagem de negócios. Era
estranho, mas em todo esse tempo não víamos sequer sinal de morador ao lado.
Estava ansioso para chegar em casa , destravei o portão , entrei, fechei-o,
e quando eu me virei ! Deparei-me subitamente com a imagem de um velho, barbudo
e numa capa de chuva, que se levantava do outro lado da cerca.
- Opa! Que susto o senhor
me deu! Então é o senhor que eu vi outro dia. - tentei entabular conversa, mas
estranhamente, o velho depois de me olhar fixamente, virou-se e entrou para
dentro de sua casa. Ai estava o vizinho misterioso que não víamos nunca.
Antes tivesse continuado
assim.
Minha preocupação começou
em certo dia de manhã, quando me levantei para apanhar o jornal, entregue diariamente
na minha porta. Naquele dia, por pura preguiça, desci de roupas de baixo , exatamente
como havia dormido. Incrível que naquele mesmo dia o garoto , antes de tão boa
pontaria, havia errado a minha porta, lançando o jornal entre a cerca e a parede
da casa. Sai, um pouco inibido, e abaixei-me no local para apanha-lo, mas quando
me levantei bati com a cabeça no beiral da varanda. Com a mão na cabeça e ao
olhar na direção do beiral, eu o vi. Era exatamente sua silhueta na janela de
seu sótão. Ele me observava, imovel. Acenei com o jornal em minha mão , mas
ele continuou a me observar sem esboçar nenhuma gesto amistoso. Virei-me e caminhei
para a porta, e mesmo ao fecha-la ele ainda estava lá.
A principio pensei ter sido
cisma minha, mas as coisas não eram tão simples. Ele estava lá, me observando,
quando lavei o carro no sábado, quando aparei a grama no domingo, quando consertei
a cerca na segunda. Havia chegado o dia de eu fazer outra viagem e resolvi não
dizer nada para Anie sobre o ocorrido. Não queria assusta-la com minhas suspeitas.
Simplesmente despedi-me e fui embora.
Na noite do dia seguinte não
via a hora de descer daquele elevador, tomar um banho e dormir , mesmo que fosse
naquela fria cama de hotel.
Quando, entrei no quarto,
e tinha acabado de tirar a gravata, o telefone toca. Era minha esposa! Estava
em estado de choque e não conseguia pronunciar as palavras direito. Só repetia:
Ele...ele...
Foi o suficiente.
Não sei por que caminho passei,
ou como cheguei tão rápido em casa, mas quando avistei o portão algo em mim
já sabia o que poderia estar acontecendo. Entrei voando pela casa , e no andar
superior encontrei Anie sentada encostada a parede de nosso quarto.
- Anie! O que foi que houve!
- disse segurando-a pelos braços.
- Eu...eu..ele...me viu...-
ela estava amedrontada.
Dirigi-me a janela e pude
entender o que ela queria dizer. Ele a observava também! Desci apressadamente
as escadas. A fúria era como uma venda em meus olhos agora, me cegava. Ela tinha
motivos de sobra para se amedrontar. Conhecidos nossos haviam alertado-nos vez
após vez com historias macabras que poderiam ter acontecido por aqueles lados.
Ao chegar no Jardim lembro-me
de ter gritado: "Seu velho idiota! Desça daí agora!!" Mas ele me menosprezava
e continuava calmamente na janela. Aquilo foi a gota d'água ! Arranquei com
ira descomunal uma haste da cerca atravessei o jardim do velho e cheguei até
a sua porta. Não precisei derruba-la pois ela já estava entreaberta. Subi rapidamente
as escadas para o segundo pavimento , e depois cheguei a entrada do sótão. Gritei
mais uma vez:
- Saia seu velho imbecil!
Silêncio total. Nenhuma
resposta se fez ouvir.
Foi quando sem poder me controlar,
chutei a porta do sótão. Foi o cheiro mais horrível que já senti. A cena era
indescritível. O velho estava próximo a janela, morto, com uma enorme poça de
sangue debaixo e rastros dele por toda a parte!!
Depois de alguns momentos
paralisado de terror, a primeira coisa que me veio a mente:
- A porta!
Eu realmente estremeci quando
me lembrei que, quando eu entrei, a porta já estava aberta!! Tentei correr mas
não tive tempo, alguém saltou em minhas costas me puxando. Rolamos escada a
baixo , e quando me dei novamente por mim ele estava esticado no chão, desacordado.
Aparentava ser um rapaz de
uns 28 anos , de expressão maltratada e roupas rasgadas. Levantei-me o mais
silenciosamente que pude e tentei caminhar mas não consegui. Sentia uma dor
terrível em uma das pernas. Foi quando de súbito uma das mãos do Jovem agarrou
uma de minhas pernas. Com uma das mãos me arrastei, e com muito custo, com a
outra agarrei um objeto maciço . Depois da pancada duvido que ele acorde tão
cedo novamente...
Era manhã. A policia parecia
já encerrar suas atividades na casa ao lado quando a campainha tocou. Era o
encarregado das investigações. Mandei-o entrar e fui logo perguntando:
- E o rapaz, confessou?
- Ele não tinha o que confessar...-
disse o detetive.
- Como não?! Ele invadiu propriedade
alheia, e matou o pobre velho!
- Na verdade o próprio velho
se matou. Foi suicídio. Ele cortou os próprios pulsos. - Disse enfiando as mãos
no bolso e tirando uma folha de papel- Aqui está o bilhete que escreveu antes
de morrer.
- Mas como explica o rapaz?
- Está foi a causa da sua
morte. O rapaz é filho dele. O velho diz no bilhete que depois da morte de sua
esposa não suportava mais cuidar dele. Ele tem debilidades mentais e talvez
por não entender , não se importou com a morte de seu pai, na qual pensou que
estivesse dormindo. Daí, ele ficou morto naquele sótão por aproximadamente doze
dias. Foi quando você o encontrou.
Fiquei pasmo! Agora que tudo
estava solucionado as vezes penso na ironia do assunto. A verdade era, que desde
o principio quem era o observador? Não éramos os observados, mas sim os observadores!