08
de janeiro de 2003
Muita
gente me perguntou: mas você foi a algum Festival
de cinema no Peru? Ou Bolívia? Nada disso. Sempre tive
vontade de conhecer esses dois paises, em particular Machu Picchu,
e aproveitei os feriados natalinos para realizar o sonho (até porque,
cada vez mais, tudo pára durante mais de 15 dias, no que
virou férias coletivas forçadas). Não por
minha vontade, com muito pouco cinema. Imaginem vocês que
em La Paz, capital da Bolívia, existem apenas quatro cinemas
(e três deles estavam passando O Senhor do Anéis).
Em Lima, a famosa cidade onde nunca chove, há pelo menos
um multiplex (a cidade tem nove milhões de habitantes,
La Paz não mais que um milhão, e ambas tem o trânsito
mais caótico que já conheci, na base da lei do
mais forte).
Foi
lá, em Lima, que consegui ver finalmente “Kill
Bill Volume I” que no Brasil está atrasado. E sabem
que gostei muito! É esperto, divertido, engraçado,
violento (mas não achei demasiado, já que tudo é feito
com humor e um certo gore, mas nada tão estarrecedor).
Seu problema maior é que falta de referencial ao espectador
atual, eles não conhecem os filmes de Kung-fu de Hong
Kong, que estão sendo homenageados. Inclusive usando o
logotivo da firma Shaw Bros (que fazia os melhores deles) e o
estilo de arte e apresentação. É claro que
eles faziam fitas assim por 50 mil dólares e Quentin Tarantino
precisou de mais que 50 milhões. Mas enfim, são
coisas da época. Mas a gente, que estava preocupado em
ter se enganado com seu talento, que o tinha transformado no
cineasta mais influente dos anos 90, pode descansar porque sem
dúvida ele continua um bom copiador. E consegue a melhor
interpretação da carreira de Uma Thurman (quando
comentei com meu sobrinho, que viu a fita nos EUA, este acrescentou
com toda razão, menos nos pés. Quem assistir a
fita vai ficar espantado com os pés imensos e horrorosos
dela).
A história é sobre vingança, sobrevivência,
narrativas picotadas (o Bill, que é feito por David Carradine,
nunca aparece, ouve-se apenas a voz. Foi ele quem mandou matar
Uma, que sobreviveu e agora procura vingança. No final
da primeira parte há uma revelação inesperada).
E como sempre, ídolos decadentes em tentativa de comeback,
como o astro chinês Sonny Chiba, Daryl Hannah, Michael
Parks (o Adão de A Biblia, de John Huston). Quando estreiar
aqui vou assistir de novo. É muito divertido. Fora disso,
assisti apenas a Globo Internacional (por todos os hotéis
do país ela está na TV a cabo, o que me deu chance,
imaginem que alegria, de ver programas da Xuxa, do Faustão – onde
me emocionei com uma homenagem mais que merecida a meu ator preferido
de cinema brasileiro, Paulo José). E não, não
tive a sorte de cruzar com Leonardo Di Caprio e Giselle, que
fizeram mais ou menos a mesma trilha que eu, mas dias depois.
Se
alguém pensou em viajar pelos Andes, recomendo antes
bastante treino, porque vai faltar fôlego. A altitude que
irá variar entre mil e oitocentos metros a quatro mil
e tantos (aeroporto de La Paz, o mais alto do mundo) irá deixar
você sem oxigênio (e bombas de oxigênio estarão à disposição,
já na portaria de cada hotel, assim como chás-mates
de coca. Mascar a folha anda fora de moda. O sabor é meio
esquisito, mas não me provocou grandes efeitos. Tive alguma
dor de cabeça, pressão na nuca, mas nada significativo
nesses meus dias de cabrito. Subi muita montanha, vi muita paisagem
(tinha montanhas inteiras cobertas de bromélias, já que
a paisagem é amazônica, ou “Rain Forest”),
vi uma infinidade de ruínas. Não houve qualquer
pretensão esotérica ou mística. Mas confesso
que é um dos lugares de melhor alto astral do mundo. Machu
Pichu não decepciona, é espetacular. Mas só foi
chegando lá que eu, idiota, me lembrei que sofria de medo
das alturas.
Como
tudo era despenhadeiro e precipício,
ou enfrentava ou sentava no chão e chorava. Enfrentei
a fera e acabei vencendo o medo. Como tive também outro
instante de pânico quando, na véspera de Natal,
uma multidão de índios enchia a praça em
Cusco. Já não sou chegado a muita gente, mas era
gente demais, e todos gritando, comprando, falando Amigo... Senhor..
Pareciam aqueles moleques do fim de De Repente, no Último
Verão. Alguns mesmo fazendo cocô nas ruas.
Foi preciso um pouco de controle para retomar as rédeas
e admirar as belezas da cidade, tentar suas especialidades (carne
de alpaca é muito
boa, a de porquinho da índia gordurosa e mal-cheirosa)
e admirar Cusco como uma das cidades mais belas da humanidade.
Nem tudo também é uma maravilha. Pusco, à beira
do Lago Tititaca, também me deixou mal-impressionado com
sua frota de triciclos desgovernados; foi preciso uma viagem
de mais de 8 horas pelo deserto (altiplano, como eles chamam)
para chegar às margens do lago Titicaca, promovido como
o mais alto do mundo (e um dos maiores).
Lá, do lado peruano,
visitei uma tribo de índios que vive em ilhas flutuantes
(formadas por uma espécie de bambu, que também
comem; experimentei e não tinha gosto de nada). Mas o
melhor é do lado boliviano, por onde se vai para a Isla
Del Sol, numa paisagem excepcional (por lá, chove e faz
sol e chove de novo, tudo em meia hora). Não perca. Por
estranho que possa parecer, eles estão com um sistema
de turismo inteiramente aparelhado e competente. Foi bom descansar
por uns dias, curtir um pouco de natureza, experimentar novas
coisas. Agora, neste fim de semana vou para Nova York, assistir
os filmes do Oscar que estão faltando. Aos poucos vou
lhes contando. Até lá.
Por Rubens Ewald Filho |