27
de julho de
2004
Tenho
especial simpatia pelo Festival Internacional de Brasília,
o FIC Ourocard, que acontece na Academia de Tênis (famosa
especialmente na Era Collor) onde estão instalados os
melhores cinemas de arte de Brasília (que pasmem, hoje é a
terceira cidade do país em freqüência em salas
de cinema, ainda que não de população!).
Tudo é obra do seu diretor Marco Farani, que é um
apaixonado por cinema. E foi essa paixão que o levou ao
empreendimento hoje bem-sucedido (sem dúvida, a freqüência
elitizada contribuiu para o prestígio do lugar, que tem
também estacionamento, restaurante, lojas, quadras esportivas,
piscinas, ou seja, é todo um grande espaço de lazer).
A boa
noticia é que o festival vem crescendo ano a ano,
chegando em 2004 a ter mais de 20 mil espectadores, demonstrando
assim que é possível se conquistar uma nova audiência
para filmes mais difíceis e de outras cinematografias.
Ou seja, nem só de blockbusters vive o homem. Mas tudo
na vida é gosto adquirido. É preciso conhecer para
poder gostar de sabores mais exóticos.
Os
grandes sucessos do FIC 2004 foram dois documentários
inéditos e que chegaram já famosos: Super
Size Me e The Corporation (este levou Prêmio do Público,
mas não pôde ser considerado pelo júri, do
qual eu fazia parte, porque já foi exibido pela HBO Brasil).
Ambos me deixaram pensando: os americanos que estão na
Era Bush, ou seja, de liberdades comprometidas, conseguiram fazer
dois filmes altamente polêmicos. Um deles questionando
o sistema americano de alimentação. Não é um
mero ataque ao MacDonald´s, mas sim questionando todo o
american way of eating. O outro vai ainda mais longe, denunciando
o sistema de corporações que dominam o mundo, estão
acima da lei e se preocupam com lucros e não com ética
(ambos estão neste momento em cartaz nos EUA e com grande
sucesso). Enquanto isso, os cineastas brasileiros fazem documentários
sobre músicos, rios, motoboys, passaportes. Estão
perdendo uma grande oportunidade de denunciar e questionar problemas
(e Deus sabe que eles não faltam ao Brasil). Será que
o brasileiro perdeu a capacidade de critica e contestação?
Ou será que o fato de ter o PT, um partido de esquerda,
no poder inibe as pessoas? Não sei, mas os dois documentários
são exemplos de como se pode fazer filmes baratos de grande
impacto (na esteira de Michael Moore, que aliás é um
dos depoentes de A Corporação).
Não gosto
especialmente de Super Size Me (vocês lembram que ele estreou
em Sundance e está provocando reações até do
MacDonald’s brasileiro, que enviou release para a imprensa
contestando, não o que diz o filme, mas seu fio condutor).
Na verdade, o filme é contado por seu diretor Morgan Spurlock,
que resolve fazer uma experiência radical. Durante um mês
só se alimenta da fast food da lanchonete e naturalmente
fica adoentado (o fígado é atacado) e engorda muito.
Nada mais evidente. Qualquer um que comer só caviar durante
um mês também ficará doente. Sua tese, portanto, é bobinha
e até ingênua, ainda que renda boas notícias.
Não gosto também do rapaz que, ao contrario de
Moore que é um sujeito bonachão meio nerd, me parece
pretensioso (e me perdeu no momento em que mostra na câmera
um exame retal totalmente dispensável. Me poupem...).
Mais tarde, quando ele chegou, pessoalmente, deixou outra impressão
(aliás é bom lembrar que todo o FIC inédito
esta semana está sendo exibido no CCBB do Rio, inclusive
com a presença dos diretores e autores). É um sujeito
simpaticão, mas quem muda mais ainda é sua mulher,
muito mais bonita pessoalmente (Lhe disse isso. Riu e disse que
quando gravou nunca imaginou que seria vista por milhões
de pessoas e que nem se penteou. E que nunca teria dado detalhes
da relação sexual deles assim gravando, que foi
um custo para explicar para os pais dela. Aliás, ela me
deu seu cartão como consultora Holística de comida
em Nova York, gentilmente me oferecendo para ajudar quando estiver
lá). Enfim, se o filme tem esse fio condutor meio previsível
vale pelos depoimentos, pelas denúncias que confirmam
que os americanos estão virando obesos. E para alguém
que tem problemas com a balança como eu (e quem não
os tem) não há como não ser tocado pelo
filme. Ele será distribuído, parece que em muito
breve, nos nossos cinemas.
Saí de A Corporação perturbado.
Afinal todos os boatos paranóicos que ouvi
sobre leite com hormônio, destruição ecológica,
todos nossos piores pesadelos estão no filme, que é uma
longa (a cópia que vi tem duas horas e quinze, mas parece
que há outra, maior) e minuciosa (e por vezes até imparcial
e equilibrada) denúncia das Corporações
e seu triste papel no mundo atual, acima de qualquer lei (até porque
não pertencem a um só país). Quem representou
o filme aqui foi um certo Bart Simpson, pesquisador da fita,
falante e simpático. Sim, o nome dele é esse mesmo,
já estava no curso secundário quando apareceu o
personagem dos desenhos. Eu, que adquiri o hábito de me
proteger das más noticias, não pude escapar do
impacto da fita. E essa, sem dúvida, é sua maior
qualidade: ninguém escapa da provocação
(Simpson ficava para discutir com a platéia também).
Amanhã continuo falando da premiação e
dos outros filmes que assisti.
Por Rubens Ewald Filho
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