28
de julho de
2004
Quando
cheguei em meados do Festival, o júri já tinha
algumas idéias formadas (e Giulia Gam já tinha
voltado ao Rio). Mas concordamos em termos gerais, que os melhores
filmes vinham da Suécia. Por isso, expandimos a premiação
que anteriormente era apenas melhor filme. Criamos um premio
de melhor roteiro, outro de direção. O roteiro
foi para outro filme argentino de qualidade. Já se tornou
até banal dizer isso mas a fase boa do cinema argentino
prossegue neste O Fundo do Mar (El Fondo Del
Mar), de Daniel Szifron uma comédia dramática estrelada
pelo bom ator uruguaio Daniel Hendler (de Esperando Messias)
e que eu não lembrava ganhou melhor ator em Berlim 2004
pelo ainda inédito aqui El Abrazo Partido. Ambos estavam
presentes ao Festival e agora estão no Rio (são
especialmente simpáticos, Daniel por sinal estava com
a namorada diretora Anna Katz que mostrou no FIC do ano passado O
Jogo das Cadeiras).
Apesar
de ser de estreante, ou até por causa disso, o
filme é muito bem cuidado, esperto, divertido (é sobre
um estudante de arquitetura que toma aulas de mergulho e descobre
que a namorada o traiu com o psiquiatra dela).
O melhor
diretor foi o sueco Lukas Moodyson (que veio com a troupe toda,
a família
que levou para o meio do mato a maior parte do Festival, meio
hippie). A verdade é que o filme dele Lily 4 Ever (Lily
para Sempre), já tinha sido exibido em São Paulo
e Rio (nos festivais respectivos), era de 2002 e um pouco velho.
Pessoalmente não gosto. Houve retrospectiva dele onde
deu para confirmar que sua melhor fita é a estréia,
Amigas do Colégio (Fucking Amal). Com Lily, ele reconta
a historia mais velha do mundo, a jovem que é enganada
e acaba virando prostituta em outro país, no caso, uma
russa que é seduzida por rapaz que a convence a ir para
fora e cai na cilada. Ou seja, é o velho clichê do
Tráfico das Escravas Brancas. Mas as pessoas têm
memória curta e a cada vez reinventam a roda. Choraram
muito com a fita que não é diferente nem ao filmar
tudo em câmera na mão, digital, livre, solta e atordoante.
Achamos justo dar um prêmio de direção já que
ele é mais importante do que a fita. E não reclamaram,
ao menos não para mim.
O vencedor
acabou sendo outro filme sueco que ganhou em Berlim um prêmio duplo, Ao
Romper do Dia, (Daybreak), de Bjorn Runge. Levou o troféu Anjo
Azul e também um prêmio especialíssimo do júri,
por todo seu elenco. E realmente estão todos maravilhosos,
inclusive alguns bergmanianos como Pernilla August (de Star
Wars)
e Marie Richardson. O filme lembra um pouco Magnólia e
as fitas de Altman. Conta histórias paralelas que irão
se juntar apenas no final e ainda assim de passagem. A mais irônica é sobre
um velho casal que chama um pedreiro para os emparedar em casa
porque não conseguem mais aceitar a violência cotidiana
(da Suécia, imaginem se vivessem aqui). Outra muito forte é de
uma mulher que finge ser doente para conseguir remédios
que depois trafica nas ruas. Aproveita também a chance
para se vingar do marido que a largou por outra mais jovem. Pernilla é a
esposa que descobre que o marido tem amante justamente as vésperas
de ser vitima de outra vingança. Tudo se resolve da maneira
adequada, de forma bastante humana e convincente. Não
chega a ser um grande filme, mas o elenco é realmente
excepcional. Dos selecionados para competir era o melhor mesmo.
Mas
o Festival exibiu mais de cem filmes o que me deu chance de
assistir alguns que havia perdido e agora faço justiça.
O argentino Valentim de Alejando Agresti é uma graça,
um roteiro delicioso e que tinha tudo para ser sucesso no circuito
de arte, mas passou em branco em São Paulo. É uma
visão de um menino que deseja ser astronauta em Buenos
Aires nos anos 60. Com Carmen Maura, ótima como a avó dele.
Parece que é autobiográfico de Agresti (que faz
também o pai). Uma fita que precisa ser redescoberta.
Outra que deixei escapar foi a italiana Respiro, de Emanuele
Crialese, que primeiro me espantou por ser toda pedófila
e ninguém ter dito isso (todo o filme mostra pré adolescentes
de cueca. Por vezes molhadas. E a brincadeira favorita deles é tirar
a calça dos rivais ou lutar livre.). Fora esse detalhe
esquisito, o filme é uma bonita história passada
na Sicília (os diálogos são em dialetos
e incompreensíveis), onde uma mãe de família
(Valeria Golino), sofre de variações de humor (deve
ser maníaco depressiva) o que cria caso com o marido,
os filhos e a aldeia). Temia por um final trágico, mas
optaram por outro mais poético e submarino. Respiro (alias
o nome não me fez sentido) ainda está em final
de carreira no circuito de arte daqui e merece ser conhecido
também.
As
decepções vamos passar rápido.
Robert Redford esta terrivelmente envelhecido num thriller de
suspense dispensável que não precisava ser feito
Refém de uma Vida (The Clearing) como vitima de um seqüestro.
O que me irritou mais no final é que para pagar o resgate
de dez milhões de dólares, eles nem pestanejam.
Não há sequer discussões. Pagam e pronto.
Tá bom que vou torcer por personagens que tem dez milhões
assim para jogar fora. O coreano Primavera, Verão,
Outono, Inverno... e Primavera, faz tanto sucesso no Rio que não
tinha cópia disponível para o Festival e passou
mesmo em Beta (onde suas belas cores ficaram prejudicadas). Mas é uma
beleza quase sem diálogos (havia apenas cem marcas para
tradução), feita pelo mesmo diretor de A Ilha,
Ki duk Kim. Fique de olho que é excepcional. Rauol Ruiz
apresentou seu quase experimental Um Lugar entre os Vivos que é mais
estranho que bom. Estrelado pelo filho feio de Catherine Deneuve
e Roger Vadim, Christian Vadim e a já veterana Valerie
Kaprisky.
Vi
também Jogo de Sedução (Dot
the I), atualmente aqui nos cinemas mas não gostei. Fui
enganado. O trailer fala de uma comédia romântica
e o filme na verdade é um thriller de suspense, que depois
de mudar de rumo no meio, tem um final inesperado. Só para
começar de novo e ter mais uma reviravolta. Talvez funcionasse
melhor se tivesse melhor elenco (Gael Garcia Bernal faz um brasileiro).
A fotografia muito bonita é do brasileiro Affonso Beato.
Ainda resta falar de um filme que tem o titulo mais atraente
do Festival: Yo, Puta. Quem dirige é a
mulher chamada Luna (e nada tem a ver com Bigas Luna apesar de
ser espanhola
de Valencia, terra dos meus bisavós). A fita fez muito
sucesso no Festival onde cometeram o erro de levá-la a
sério. Mas é apenas um filme comercial com um bom
titulo que mistura depoimentos aparentemente reais (também
de uma prostituta brasileira) com outros totalmente falsos (de
chorar de fake) e ainda umas tramas inteiramente fictícias
(que tem Daryl Hannah e Denise Richards). É muito ruim,
mas novamente fiquei calado por lá porque Luna e seu marido
produtor são extremamente simpáticos e acessíveis.
E tivemos longos papos sobre os problemas de fazer cinema em
qualquer parte. Novamente gente boa, filme ruim.
Mas
o FIC Ouro Card 2004 foi outra experiência
boa e finalmente um sucesso. Optando
por julho (ano passado foi setembro), parece ter encontrado seu
espaço certo.
Por Rubens Ewald Filho
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