12
de janeiro de 2004
Sabem
como é: 16 graus abaixo de zero. Primeiro a sensação
de que estão te arracando a pele, depois que o nariz vai
cair, porque parece não estar mais lá no lugar
certo. Depois bate o desespero de entrar no primeiro negócio
aberto, para se esquentar um pouco. Mas dizem que vai passar,
que hoje melhora. Na verdade, para mim há coisas piores
do que passar frio. Não poder vir a Nova York, por exemplo,
seria bem pior. Já estou acostumado nesta época
a vir tomar minha dose na veia dos filmes do Oscar. Bons, maus,
indiferentes, pouco importa. O bom é estar aqui, mesmo
que gelado.
Aquela
polêmica toda sobre o controle na chegada parece
injustificada. O processo é rápido e indolor (o
segredo é não pressionar os polegares, apenas colocá-los
nos lugares, os próprios funcionários ainda não
estão muito hábeis no assunto e parecem pacientes).
A sensacão que tive é que, deixar as digitais e
a foto no aeroporto os deixa mais confiantes, fazem menos perguntas
e ficam menos antipáticos. E, no fundo, o único
espanto que tenho é que o governo americano não
tivesse um arquivo das pessoas que entram no pais, algo mais
refinado e positivo. Se fosse em filme, garanto que isso existiria
e funcionaria.
Ainda
no aeroporto, sob o impacto da baixa temperatura, peguei um táxi
guiado por um árabe. Devia estar em tão
mal-estado, tão mal de aparência que ele puxou conversa
e me perguntou que igreja eu freqüentava… Até que
me dei conta que ele estava tentando me converter ao islamismo… Encerrei
o papo dizendo que não gostava de conversar sobre religião,
que cada um tem a sua, etc., etc.. Nem por isso ele parou, e
não se deu ao trabalho de fechar o porta-malas, que veio
aberto e pulando a viagem toda (ainda que sem conseqüências).
Claro que minha imaginação fértil já pressentiu
toques de seqüestros e ataques xiitas que felizmente não
sucederam.
Mas
no primeiro fim de semana, sofrendo de jet-lag e altos ventos,
preferi concentrar minhas saídas ao perímetro do
Lincoln Center, onde eu costumo ficar. Vendo alguns filmes como
tira-gosto. Eis meu primeiro relatório:
Chasing
Liberty - Foi o primeiro lançamento do ano de
um grande estúdio, no caso a Warner, no que foi uma bilheteria
fraca (ficou em sétimo lugar na semana), numa semana por
sinal também abaixo da média. Mas também
nem tinha porquê. Parece que é a primeira de duas
comédias românticas sobre o mesmo tema (filhas adolescentes
de presidentes americanos com problemas de relacionamento e namorado)
e, mais uma vez, confirma o talento da cantora Mandy Moore (que é bonitinha,
talentosa, faz tudo direitinho). Ainda que não mostre
sua força de bilheteria. A fita no fundo é uma
refilmagem disfarçada de A Princesa e o Plebeu (Roman
Holiday), só que agora com a filha de um presidente (Mark
Harmon, Caroline Goodall faz a esposa) sem maior personalidade,
mas que obriga ela a ser seguida pelo serviço secreto
o tempo todo. O que, segundo a situação do mundo
atual, parece muito lógico. Mas não no cinema,
onde a menina quer se afirmar. Numa viagem à Europa ela,
apesar de ser sempre seguida por um casal de agentes (Jeremy
Pyven e Anabella Sciorra, que servem de contraponto à história
de tal forma que acabam namorando e se apaixonando) arranja um
jeito de fugir, primeiro em Praga (lindamente fotografada), depois
para Veneza e, finalmente, Berlim onde tem uma Parada do Amor,
ou algo assim. Quando ela foge pede carona a um inglês
que a ajuda, sem saber que se trata de outro agente do serviço
secreto (o rapaz é um certo Matthew Goode, que tem bons
e maus ângulos). Rodado como First Daughter, acabou virando
Perseguindo Liberty (esse é o nome da garota, obviamente
querendo ter duplo sentido, o que não chega a conseguir).
Realizado por um certo Andy Cadiff (que fazia episódios
de séries), o filme é aquela bobagem endereçada
a adolescentes românticos, por isso menos inofensivo, redundante
e muito provavelmente irá direto para vídeo no
Brasil.
Monster
- Se acharam que Nicole Kidman ficou diferente em As Horas, esperem
para ver Charlize Theron neste Monster (que
não
se refere apenas ao personagem, mas também a um grande
roda-gigante que a apavorou quando crianca). A transformacão é espantosa
e, se dessem um Oscar por isso, certamente o prêmio já seria
dela. A sul-africana Charlize, que é uma belissíma
mulher (eu sempre a achei a mais atraente de sua geração
em fitas como 15 minutos, The Italian Job, Doce Novembro, A Maldição
do Escorpião de Jade), conseguiu engordar (o corpo ficou
gordo e deformado), ficar sardenta, inchada, feia, repulsiva
mesmo. Coisa nunca vista desde Robert De Niro em O Touro Indomável,
e que por isso mesmo, tem lhe dado prêmios e indicações
(inclusive ao Globo de Ouro). Nada mais merecido. Ela também é co-produtora
do filme, que é de uma firma independente (a New Market,
a mesma que topou distribuir a fita de Cristo de Mel Gibson,
agora em fevereiro). E que foi dirigido por uma mulher, Patty
Jenkins, e como todo mundo sabe por aqui, baseado em fatos reais.
Conta a história da primeira serial killer feminina que
foi condenada e morta na prisão (na Flórida), uma
certa Ailleen que era prostituta desde os 13 anos, até ficar
de caso com uma garotinha (Christina Ricci, numa participacão
discreta mas boa). Por causa dela, primeiro mata em legítima
defesa, depois vai roubando e matando para ficar com dinheiro
para sustentá-la. É uma história pesada,
narrada sem qualquer glamour e não especial talento (por
vezes lembra um pouco Boys Don’t Cry). Mas com bom elenco
(Bruce Dern, Scott Wilson) e uma presença notável
de Charlize. A princípio fica-se com a impressão
de que ela esta super-representando, exagerada. Mas ai se vê imagens
da mulher real e fica-se impressionado com a semelhança,
como ela procurou copiar trejeitos, atitudes, postura. É um
trabalho estupendo, numa fita que não chega a corresponder
(ou seja, ela carrega o filme, que é pobre e sem maior
talento). Mas Charlize é forte candidata ao Oscar.
The
Last Samurai - Faz mais de 50 anos que Kurosawa apresentou ao
mundo o seu Os Sete Samurais, e a cultura do personagem.
Mas só agora Tom Cruise estrela e produz um filme, empacotando
a figura numa espécie de Samurai light, para consumo americano.
Ou seja, para quem nunca viu os grandes filmes japoneses sobre
o tema, quem nunca teve a felicidade de assistir uma obra-prima
de Kurosawa, fica mais fácil aceitar e assimilar um filme
altamente derivativo (e que no entanto, no padrão geral
do cinema atual, é até corajoso, porque é em
grande parte, falado em japonês com legendas e todo centrado
numa cultura estrangeira, que a maior parte da população
americana desconhece e pela qual não se interessa. Não
esqueca que japonês foi inimigo numa guerra não
tão distante e, ultimamente, foi rival nos negócios).
Muita
gente o comparou com Dança com Lobos e isso virou
moda dizer (é sempre um branco que se acultura e toma
o lado dos outros). Tudo bem mas não sei se isso é bom
para alguém. O filme é extremamente dentro da
cartilha, by the book, tudo no lugar certinho, previsível
e extendido. É prejudicado
justamente por Cruise, que pode ser uma figura carismática
quando faz ele mesmo, quando vive seu momento. Quando tenta
compor personagem é um desastre (e na primeira parte
tenta fazer caras e bocas com um resultado desastroso. Felizmente
logo volta à sua
linha tradicional).
Embora
tenha uma produção de primeira linha (por
exemplo, todos os seus detalhes são preenchidos por computação
gráfica, que aumenta o número de guerreiros e explosões
nas batalhas, e torna mais claras as paisagens de background,
seja de San Francisco, seja do Japão).
As
cenas de luta, porém, o que é de se estranhar
num filme sobre samurais, e portanto sobre lutas marciais, são
banais. Corretas, filmadas de maneira eficiente (com alguns detalhes
sangrentos) mas não marcantes. E abaixo do que se podia
esperar.
Se
Cruise não conseguiu ainda virar melhor ator, quem
rouba o filme é Ken Watanabe, um veterano que tem tremenda
autoridade na figura do samurai (desculpe mas falhei em fazer
um resumo). Cruise faz um amargurado e bêbado oficial americano
que sobreviveu à guerra dos índios, imaginem que é traumatizado
porque lutou com Custer, que o obrigou a matar crianças
e mulheres. De qualquer forma, revoltado ele aceita ir para o
Japão que está se abrindo para o Ocidente. Os samurais,
que antes protegiam o Imperador, Deus na terra, não aceitam
essa mudança e se rebelam. Então o que o filme
conta, é como Cruise é feito prisioneiro, tratado
e estudado pelos samurais, acaba se encantando com o modo de
vida deles, seu código de honra e passa a lutar a seu
lado. O filme tem também um vilão branco horrível
e canastrão que é feito por Tony Goldwyn.
E Watanabe
rouba o filme de Cruise (no Brasil ele é mais
conhecido por ter estrelado o famoso Tampopo, depois disso teve
uma luta grave contra o câncer, que venceu e o deixou amadurecido
e humano). O diretor Edward Zwick (Tempo de Glóiria) muito
faz em não atrapalhar. Podia ter visto com mais cuidado
Ran ou Kagemusha para copiar melhor o visual e o esplendor de
Kurosawa. O fato é que seu filme não tem sido sucesso
e pode até ir melhor no Brasil, onde a cultura japonesa é mais
próxima e admirada (ao menos em São Paulo). Mas
não é filme para Oscar. Só se não
tiverem melhor escolha.
E páro por aqui para não
cansar. Amanhã, eu volto com mais histórias.
Por Rubens Ewald Filho
(Fotos: Divulgação. Ilustração
da Capa: MAR.CA - Colunas & Notas)
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