DIÁRIO DE NY: Nova York , Inverno 2004 - Parte II, Segundo Dia

13 de janeiro de 2004

O ser humano é uma criatura de hábitos. Eu sinto falta do bagel que como todas as manhãs quando em Nova York (cinnamon com salmon e cream cheese), de ir procurar meus DVDs na Tower (boa notícia: os preços dos CDs baixaram em média e os DVDs, quase todos, continuam saindo no Brasil simultaneamente. Às vezes, até melhor. Os Looney Tunes americanos não tem a nossa lata como embalagem). Só mesmo os clássicos continuam problemáticos, quando é preto e branco e velho, melhor não arriscar. Leva o americano logo, porque no Brasil, não tem vez. Mas vou continuar com minha peregrinação pelos cinemas. Eis os filmes de hoje, agora já sob neve.

 

Cold Mountain - É mais um filme impecável de Anthony Minghella e sua equipe, que deve ser hoje em dia a melhor do mundo: o compositor Gabriel Yared, o diretor de arte Dante Ferretti, o fotógrafo John Seale, a figurinista Ann Roth. Todos fazem trabalhos excepcionais nesta super-produção de 80 milhões da Miramax, que será o páreo de O Senhor dos Anéis nas categorias técnicas. Mas é difícil levar como Melhor Filme simplesmente porque é uma história de amor fria, que não provoca lágrimas, nem suficiente emoção.

É um bom filme, muito bem feito, muito bem interpretado, um pouco triste, um pouco amargo (afinal fala sobre os absurdos da Guerra Civil Americana, principalmente o que sofreram os civis e os soldados que tentavam voltar para casa, na mão de milícias que se diziam justiceiras). Com alguns momentos espetaculares. Dignos de serem vistos e prestigiados, até mesmo de ganhar indicações. Mas não vejo muito como premiá-lo.

Não li o livro de Charles Frazier, que deu origem ao filme e foi adaptado por Minghella (ele esteve no Brasil lançando o filme anterior, Mr. Ripley e deixou uma excelente impressão, é das pessoas mais sensíveis e gentis que conheci). Mas não tinha a aparência de resultar numa fita comercial e fácil.

Passa-se numa cidade da Carolina do Sul chamada Montanha Gelada (as locações, por economia, foram na Transilvânia, Romênia) onde uma jovem bela filha (Nicole Kidman) de um pregador (Donald Sutherland) se apaixona por um rapaz local (Jude Law). Quando vem a guerra, ele vai lutar e só pensa em voltar para ela, que fica na miséria e acaba sendo salva pela ajuda de uma mulher sem destino, que vira sua empregada (Renée Zellweger, que tem chances como coadjuvante). Enquanto isso, Jude passa pelo inferno, escapando da morte várias vezes, encontrando figuras bizarras no caminho, um pregador desonesto (Philip Seymour Hoffman), uma benzedeira (Eileen Atkins), uma jovem viúva que lhe oferece cama (Natalie Portman), um traidor (Giovanni Ribisi). Sem contar algumas batalhas (numa delas, os nortistas provocam uma explosão que cava um enorme buraco, mas eles é que acabam presos nessa ratoeira).

Ou seja, é um grande épico romântico, meio Dr. Jivago, onde o clímax não é o reencontro do casal (que sucede vinte minutos antes do final). E o prazer é se ver um elenco fotogênico e bonito (não há dúvida que faz bem aos olhos contemplar Jude e Nicole, certamente o casal mais bonito e competente do ano). Numa história bem contada. Só não tenho certeza se queria ouvi-la ou se ela acrescenta alguma coisa, que já não sabíamos sobre a natureza humana ou a passagem inevitável do tempo. De qualquer forma, não é um fracasso, o que já é muito. Mas também não é o grande filme que se esperava.

 

Calendar Girls - Já está rolando desde Cannes, mas ainda não conseguiu pegar o público como esperavam. Ainda assim na sessão que eu assisti, já numa sala pequena, o filme foi aplaudido. E foi feito para isso mesmo, é no estilo Feel Good, fazer a gente se sentir bem, principalmente se você tiver meia-idade e se achar pouco atraente. Esta comédia inglesa contada num ritmo ralentado parece uma piada só esticada até o infinito. É sobre as mulheres de North Yorkshire, interior da Inglaterra, que resolveram posar nuas para um calendário para conseguir dinheiro para comprar um sofá (!) para uma sala de espera de um hospital de câncer (porque o marido de uma delas morreu lá. Entao isso seria uma homenagem ao falecido). O roteiro conta em detalhes como elas se organizaram para pensar nas fotos, como fizeram para enfrentar a vergonha e assim por diante. Até o sucesso dele, de forma que elas vêm até Hollywood para serem entrevistas por Jay Leno. Ou seja, temos duas grandes atrizes inglesas, Helen Mirren (que foi indicada ao Globo de Ouro mas já vi o trailer com ela, como esposa de Robert Redford no suspense The Clearing) e Julie Walters (mais discreta que costume, ideal para ser lembrada como coadjuvante). E mais outras daquelas que se conhece o rosto mas não o nome. Todas fofinhas, gracinhas, simpáticas e humanas. Mas o filme é basicamente um conto de fadas para a terceira idade. Não faz muitas piadas, não força muito, nem mesmo sua mensagem de boa vontade (nem se vê muito a nudez). Ou seja, tudo é moderadamente divertido e legalzinho. Mas só.

Um detalhe: junto com o filme está sendo exibido um curta-metragem de animação que foi concebido no final dos anos 40, como parceria de Salvador Dali e Disney. O pintor surrealista estava em Hollywood para ajudar Hitchcock em Quando Fala o Coração e juntos fizeram o projeto que foi desengavetado por Roy Disney e só completado agora. Até porque este descobriu que a Disney só seria dona dele se o completasse. O resultado, chamado Destino, é mediano, com imagens surrealistas muito bonitas, mas usando ainda a trilha musical mono antiga, sobre uma história de amor perdido. Ou seja, outra vez se esperaria mais.

 

Big Fish - No meio do filme fiquei pensando: que bom que Hollywood ainda pode se dar ao luxo de financiar filmes para Tim Burton. Eles não dão muito dinheiro mas são prestigiados, são indicados a prêmios (nunca ganham). E são basicamente diferentes. Curiosos. Interessantes. E nunca inteiramente bem-sucedidos.

Pois tudo isso se repete de novo com este Big Fish, produzido por Richard Zanuck com um visual menos obviamente autoral de Burton. Talvez porque o filme seja seu primeiro trabalho depois daquela terrível concessão ao comercialismo que foi sua versão de O Planeta dos Macacos.

Mas desta vez ele não assina o roteiro, que é baseado num romance de Daniel Wallace. Talvez por isso o senti menos pessoal, mas ainda assim confuso. Demora-se um pouco a entender a narrativa, que é sobre um filho (Billy Crudup) que não se dá com o pai (quando velho feito por Albert Finney, quando jovem por Ewan McGregor) porque este tem a mania de contar lorotas, ou seja tall talles, histórias fantasiosas que embelezam um pouco a realidade. Quando o pai está morrendo, ele vai investigar o caso e dali em diante tudo é altamente previsível, acontece exatamente como manda o figurino. Ou seja, sem surpresas.

Há figuras bizarras no elenco, como um enorme gigante de verdade, Danny de Vito fazendo dono de circo, duas irmãs siamesas que são realmente orientais e até Jessica Lange de mãe do herói (quando jovem ela é feita pela ótima Alison Lohman, embora nenhuma das duas tenha muito a que dar conta). E também Helena Bonham-Carter, atual mulher do diretor (e mãe de seu filho) que faz uma bruxa ou coisa que o valha.

Mas a história é mal amarrada, faltam melhores piadas, situações, imagens talvez embarcando mais no surrealismo ou simplesmente no sonho, no onírico. Ficou tudo num meio termo, com a eterna repetição da idéia central do Peixe Grande que acaba por cansar. Ou seja, ainda não foi dessa vez que Burton voltou à forma.

Por hoje é só. Até a próxima.

Por Rubens Ewald Filho

(Fotos: Divulgação. Ilustração da Capa: MAR.CA - Colunas & Notas)