14
de janeiro de 2004
A neve
foi brincadeira, o frio voltou a atacar pesado hoje, dizendo
que voltou para ficar. Vou enfrentando de capote, evitando sair
das salas de cinema e encontrando uns poucos brasileiros que
me reconhecem e tento explicar que estou fazendo uma maratona
do Oscar (todos parecem satisfeitos com a explicação,
afinal é o lugar mesmo onde esperariam me encontrar).
Os últimos filmes que assisti já foram vistos no
Brasil, ou na Mostra Internacional, e um deles (21 Gramas)
já está até em
cartaz. Vamos lá.
21
Gramas - O que me tem ficado mais dos filmes da temporada é que
temos grandes interpretações em filmes nem tão
bem-sucedidos. E vamos ser francos, grande parte do prazer de
ir ao cinema é por causa dos atores, da beleza de Nicole
e Jude em Cold Mountain, da cara de pau de Bill Murray em Encontros
e Desencontros (Lost in Translation), do carisma de Jack Nicholson
em Something Gotta Give. O Globo de Ouro ignorou totalmente este
filme que é o primeiro trabalho americano do diretor mexicano
que fez Amores Perros, Alejandro Inarritu. O título imediatamente
faz pensar em drogas (mas apenas o personagem de Naomi Watts
consome cocaína, aliás em cena gratuita). Como
o diretor explicou em entrevistas, e num diálogo da fita,
21 gramas seria o peso da alma. Quando alguém morre perde
justamente esses gramas (muita gente já contestou isso,
dizendo que é pura besteira, nada científica).
O
filme é daqueles que pega uma história comum
e procura complicar mudando a ordem cronológica dos fatos.
Até a primeira meia hora é intrigante, interessa
até o momento em que matamos a charada. Dali em diante
há cenas desnecessárias, redundantes, personagens
que não sabem se explicar (Naomi a princípio quer
perdoar; de repente, sem preparação, resolve partir
para uma vingança brutal). E acaba se perdendo. Só não
fica pior, porque tem um excelente trabalho de elenco. O Globo
de Ouro se enganou em indicar Sean Penn por Sobre Meninos
e Lobos. É aqui
que está bem, humano, despojado, sem super-representar,
se entregando totalmente ao personagem (foi o melhor ator em
Veneza, pela fita). Benicio Del Toro, que não havia acertado
com nada depois do Oscar, volta a emplacar com uma presença
excepcional. E Naomi Watts (Ring - O Chamado) é, sem dúvida,
uma boa atriz.
A
trama não é tão convincente, caindo em
clichês, personagens antipáticos e atitudes injustificadas.
Penn está morrendo porque precisa de um transplante de
coração. Depois que o consegue, vai atrás
da mulher do doador, Naomi, que está em crise, naturalmente
(até porque perdeu também as duas filhas, todos
os três foram mortos num atropelamento, que aliás
não é mostrado, provocado por um Jesus freak, um
marginal convertido e fanático por Cristo, feito por Benicio).
Entre a vida dos três que se entrecruzam, há algumas
figuras paralelas (as respectivas esposas, a de Penn feita pela
francesa Charlotte Gainsbourg e a de Benicio, por outra atriz ótima,
super com cara de gente Melissa Leo).
Feito
com a câmera na mão, o colorido deformado
na pós-produção, o filme vai perdendo força
ao final diante da redundância de certas cenas e ações.
Mas vale mesmo pela grande interpretação do elenco.
Lost
in Translation (Encontros e Desencontros) - Estão
exagerando de novo. Não é para tudo isso. A filha
de Francis Coppola, Sofia já tinha demonstrado talento
antes na estréia no bonito e triste As Virgens Suicidas (que em certo sentido é melhor que este filme). Mas agora
resolveram consagrá-la exageradamente por esta fitinha
que nada mais é do que uma brincadeira, quase uma vingança
dela contra o marido Spike Jonze (eles acabaram de se separar,
e está evidente que o papel da esposa que acompanha o
marido ao Japão é autobiográfico, no filme é um
fotógrafo e feito por Giovanni Ribisi).
Para
mim, que já visitei o Japão, o filme é cheio
de referências e semelhanças (fiz muita coisa parecida
com os personagens, como ver TV, nadar na piscina, passear naquelas
mesmas ruas e templos). Não é uma sátira
como muita gente pensou, é assim mesmo como Sofia mostra.
A única
razão de ser da fita é a presença
do comediante Bill Murray, que está muito magro, muito
seco e se limita a reagir. Ele não age, reage ("doesn’t
act, reacts", seria em inglês para ficar mais claro).
Ou seja, faz o mínimo possível, nem caretas. Nem é preciso,
já está tudo em sua persona.
É
um alter-ego dele, um astro de cinema já meio decadente
que aceita ganhar dois milhões de dólares para
ir gravar no Japão um comercial de uísque (o absurdo é que,
ninguém como ele, viaja sozinho, sem um assistente ou
agente, isso simplesmente não existe. Até eu coitado,
quando faço algo comercial, viajo com agente, imagine
ganhando dois milhões). Mas a fita não quer ser
realista, é apenas uma fantasia leve sobre o astro de
cinema que, no hotel, conhece a jovem esposa desprezada do fotógrafo
(outra figura superestimada, a razoável Scarlett Johansson,
que não tem nem personagem para ganhar prêmio).
Os dois flertam, ficam amigos, passeiam pela cidade, mas não
fazem nada radical, na verdade mal se conversam. O que é mostrado
de forma despretensiosa. Quem inventou a mentira da fita não
foi Sofia, foi a crítica maluca que teve mais uma alucinação coletiva. Uma fitinha pequena e simpática que não
tem que dar prêmio para ninguém. Ainda que Murray
esteja irresistivelmente engraçado (mesmo assim em alguns
poucos momentos, porque no todo o filme é bem chatinho).
In
America - Outra invenção. Falaram muito nesse
filme autobiográfico do irlandês Jim Sheridan (Meu
Pé Esquerdo) que parece contar sua própria história,
quando emigrou ilegalmente para os EUA, mais particularmente
Nova York com a mulher (Samantha Morton, de Minority Report)
e um casal de filhos pequenos. O trauma é que eles perderam
um filho de cinco anos, vítima de câncer, causado
por uma queda. E não conseguem se recuperar disso. Embora
o filme pudesse retratar a experiência do imigrante nos
EUA, não faz nada disso. É outro conto de fadas,
onde todo mundo é muito bonzinho, até mesmo um único
assaltante (que até pede desculpas por tentar roubar).
Não há polícia, problemas por serem imigrantes,
por morarem ilegalmente. Ou seja, poderia se passar em qualquer
lugar do mundo com o mesmo resultado. Não é nada
realista, e, portanto, nem tem muita razão de ser. Só tem
realmente uma grande qualidade que é a presença
de duas meninas atrizes realmente lindas e excelentes (e olhe
que não sou nem um pouquinho ligado em criança),
parece que realmente são irmãs na vida real (Sarah
e Emma Bolger). E mais ainda o ator negro africano Djimon Hounsou
(Gladiador) no papel de um vizinho pintor que está morrendo
de Aids, uma figura poderosa. Mas a fita é outra que foi
promovida demais, sem razão.
Wicked
- Este não é filme, mas o primeiro show
da Broadway que fui ver nesta temporada. E sabem que eu gostei
muito. Muito
mais do que poderia esperar. Esta é uma adaptação
não tanto de O Mágico de Oz, mas dos personagens
e situações não aproveitados naquele filme
(obviamente eles não tem os direitos e as figuras da MGM
ficam fora de cena mas são todas muito bem aproveitadas).
O show tem uma notável produção onde você realmente
pode ver onde o dinheiro foi gasto (tem gente voando, cenário
espetacular, uso eficiente de luz). Quem escreveu o brilhante
roteiro foi Winnie Holzman que criou para a TV os seriados My
So Called Life e Once and Again, e é casada
com o ator Paul Dooley. Baseando-se num livro de Gregory MaGuire.
Vocês
lembram que, no filme, Dorothy caiu com sua casa em cima da Wicked
Witch of the East (A Bruxa Malvada do Leste)
e é recepcionada pela Fada Glinda. Pois é Glinda
quem estrela aqui, contando a verdadeira história do que
se passou em Oz com a outra Bruxa, a outra Malvada (Wicked),
a do Oeste. E nem tudo é como parecia.
O
brilhante Book consegue inventar situações novas
e inteligente sem trair o original, mas criando novas camadas
e versões, que só vêm enriquecê-lo
(tal como um plano do Mágico de Oz, de matar todos os
animais que falavam no reino, aprisionando-os, o que acaba dando
uma leitura política ao texto).
Se
a trilha musical é apenas correta (de Stephen Schwartz
de Godspell, Pippin, Pocahontas, Principe do Egito), o espetáculo
se sustenta pela presença de duas grandes estrelas da
Broadway, ambas já indicadas ao Tony, Kristin Chenoweth
(levou o prêmio por You’re a Good Man, Charlie Brown)
e Idina Menzel, revelada em Rent. As duas têm grande presença
de cena, cantam muito (Idina chega a berrar) e Kristin tem um
impecável timing de comédia. Também no elenco
revelando-se ótimo ator de comédia musical, o ator
negro Taye Diggs (Chicago) e como o Mágico, o veterano
Joel Grey (Cabaret). Ou seja, um super-espetáculo que
o público recebe com entusiasmo e tem tudo para ser o
melhor do ano. Fazia tempo que não gostava de um show
musical como este. Claro que com defeitos, mas no todo um sucesso.
Até amanhã! Por Rubens Ewald Filho
(Fotos: Divulgação. Ilustração
da Capa: MAR.CA - Colunas & Notas)
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