15
de janeiro de 2004
Quem
conhece neve, sabe o frio que fez hoje em Nova York, dia seguinte
depois da nevasca onde, não bastasse a lameira, o chão
escorregadio (encontrei muita gente de perna quebrada caída
no chão) também tinha um vento frio, de lascar,
de cortar a alma. Queira a gente ou não, isso interfere
com o nosso deslocamento, dá uma preguiça terrível
de sair de casa. Não tenho visto muita TV. Uma das coisas
que percebi é que o programa do Actor’s Studio (Inside
the AS) do canal Bravo, vendeu-se inteiramente. Agora tem apresentado
qualquer um, assisti o Jude Law, depois metade do Tom Cruise
(imaginem eles explicando seus métodos de interpretação!)
e semana que vem é a Charlize Theron. Ou seja, o programa
virou promoção para o Oscar. Perdeu completamente
a seriedade. Apesar do frio dolorido ainda consegui ver algumas
coisas. Eis o relatório.
House
of Sand and Fog - Para aqueles que dizem que eu não
gosto de nada, eis uma exceção. Um bom filme que
conta uma boa história de forma honesta, sensível,
sem pretensões por um certo Vardim Perelman (um russo
estreante, que também produziu e escreveu o filme). É uma
história que parece pouca coisa, mas funciona na tela. É sobre
uma mulher em crise, quando o marido a largou e ela tentou parar
de beber (é Jennifer Connelly, linda como sempre e ainda
melhor do que em Uma Mente Brilhante). Esquece de pagar
uns impostos e injustamente é mandada embora de sua casa (que era do
pai) e que é imediatamente vendida e comprada por um imigrante
persa (fugitivo da Era do Xa). E a garota fica sem ter onde morar,
acaba se envolvendo com um policial que larga da família
por causa dela (Ron Eldard). Mas ninguém é vilão,
nem herói, nem mesmo o detetive. Todos são humanos,
reais, com altos e baixos, qualidades e defeitos. Essa é a
melhor qualidade dessa fita onde brilha novamente Ben Kingsley,
o Ghandi, noutra interpretação estupenda. Que grande
ator, que não tem medo de parecer mal, ou antipático.
Nem de fazer sotaques. Ele é fantástico e merecia
uma indicação ao Oscar (Jennifer é azarão,
mas também devia ser reconhecida). É uma fita ainda
pouco conhecida, ainda mais no Brasil, mas vale guardar o nome. É de
qualidade.
The
Cooler - Devo estar de bom humor mesmo porque também
gostei muito deste filme independente, de Wayne Kramer (sul africano
radicado nos EUA). O título é muito interessante,
seria traduzido como O Pé-Frio. É sobre um sujeito
azarado, tanto que é contratado pelos cassinos para esfriar
os que estão vencendo nas mesas de jogo. É o caso
de William H. Macy, sempre um ótimo ator, que trabalha
num cassino chamado ShangriLá que é dos últimos à moda
antiga, ou seja, dominado por gangsters e sem ter cara de Disneyworld,
de ter atrações para a família e as crianças.
Só que Macy conhece uma garçonete (Maria Bello,
outra que está no melhor momento de sua carreira) que
realmente se envolve com ele. E isso faz mudar sua sorte, de
repente ele passar a trazer sorte para os outros.
O
roteiro é cheio de eventos e reviravoltas, mostrando
que o cassino está no fim de uma época com a mudança
da guarda, e o chefão (Alec Baldwin, outro que está muito
bem), está prestes a perder seu poder de todo poderoso
(que o leva, por exemplo, a matar de overdose um cantor viciado,
Paul Sorvino, que segundo ele de outra forma acabaria ainda pior).
E o filho de Macy, Shawn Hatosy, que é um vigarista desonesto
e perigoso, colocando a própria vida do pai em jogo.
Muito
bem contado, com excelente roteiro (no finalzinho tropeça
um pouco, mas sem cair) e ótimo elenco, The Cooler é dos
melhores filmes independentes do ano e pode pintar nos Oscars
se não for sabotado, pela proibição dos
vídeos e DVDs.
Love
Don’t Cost a Thing - Fazia tanto frio, que o único
jeito foi me refugiar numa sala de cinema para fazer tempo, para
o teatro. E o único filme inédito que estava passando
no horário era esta comédia para negros, que é uma
refilmagem de Can’t Buy me Love, uma fita dos
anos 80 que ficou famosa no Brasil em vídeo como Aluga-se Namorada (o
nome foi um grande êxito nas locadoras, por causa de
seu duplo sentido, tinha gente que pensava que realmente se alugavam
garotas). O roteiro era bom (a fita tinha Patrick Dempsey) e
não conseguiu ser estragado totalmente, como veículo
para o jovem ator negro de Drumline (que ninguém quis
ver no Brasil), Nick Cannon. A idéia é a mesma.
Um nerd contrata uma garota popular na escola (ela deu trombada
com o carro da mãe e precisa pagar o conserto, ele quebra
o galho, e em troca ela finge ser sua namorada por duas semanas,
tempo necessário para ele se tornar popular na escola
e com toda a turma). Isso dá margem a algumas piadinhas
de pornochanchada (o pai, por exemplo, lhe ensina numa garrafa
como usar camisinha) e muita sátira à mania dos
brancos de imitarem os negros, e estes de fazerem moda. Ou seja,
foi melhor vê-lo do que morrer de frio. Mas só.
Never
Gonna Dance - Queria muito ver este musical, que aproveita
velhas canções de Jerome Kern que foram usadas
em musicais de Fred Astaire (Swing Time, Roberta). Tanto
que foi produzido pela RKO e a Miramax. Até porque conhecia
de cór toda a trilha. Mas o problema era evidente. Não
existem mais Astaire ou Ginger Rogers, nem há sucessores.
Ou seja, sem um astro da magnitude deles, o espetáculo
estava fadado a não decolar. E é justamente isso
o que acontece. Chamaram dois relativamente desconhecidos, Noah
Racey (dança direitinho, mas não tem estilo próprio,
nem personalidade) e Nancy Legemager (excelente dançarina,
tem uma cara antiga, parece Jeanette MacDonald, Micheline Presle,
Evelyn Keyes, só que com nariz operado). Até que
se esforçam, mas infelizmente não é o suficiente,
o show vai mal das pernas e provavelmente não irá resistir à crise
do inverno (onde baixa a freqüência das salas, eu
mesmo já paguei com abatimento).
Também não conseguiram resolver o problema do roteiro,
que é muito fraco, girando em torno de um dançarino
que promete juntar dinheiro para se casar com a noiva mas conhece
outra e muda de idéia. Ela é professora de dança
mas… E a história acaba por ai, ninguém foi
capaz de melhorá-la. Apenas a esticam com meia dúzia
de cenas dispensáveis. Alguns números são
bonitos e bem encenados. Tem The Way You Look Tonight dançado
no alto de um edifício em obras. E nos agradecimentos
tem uma bela sacada quando eles sapateiam em cima do nome do
show mostrado em cubos (na verdade, falta números de sapateado,
como em Rua 42, que ainda continua em cartaz, com sucesso). Ou
seja, é pouco para tanta expectativa e tanta responsabilidade.
Se não existe Astaire ou sucessor, não tem sentido
montar um espetáculo desses. Só deixa a gente frustrado.
Embora ainda tenha sido um prazer ouvir um pouco de boa música
por duas horas.
Por Rubens Ewald Filho
(Fotos: Divulgação. Ilustração
da Capa: MAR.CA - Colunas & Notas)
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