16
de janeiro de 2004
Pode
ser meio caipira, mas fiquei até emocionado: estava fazendo
hora para o teatro na Virgin, quando olhei para fora e achei
que estava chovendo. Mas era a neve que começava a cair.
Pra brasileiro, fica tudo com cara de Natal branco e presépio,
tanto que acabei vindo para casa a pé em plena neve, me
equilibrando para não cair, mas feliz com uma criança
fazendo uma estripulia. Mas sem cantarolar as canções
de Peter Allen. Nem tanto. O show The Man from Oz, com Hugh Jackman,
encerra com uma música de inspiração brasileira,
Copa. Na verdade, é mais a boate Copacabana e, embora
a letra fale no Rio de Janeiro, é mais com maracas e rumbeiras.
Não deixa de ser uma referência simpática
ao Brasil (e indicada para fechar as cortinas).
Às
vezes me sinto meio homem do tempo passando as informações
metereológicas, mas, numa cidade como Nova York, as condições
do tempo são muito importantes. Tanto que a quinta-feira
foi caótica, com ruas enlameadas, trânsito engarrafado
e muita gente faltando ao serviço. Seja o que Deus quiser!
Girl
with a Pearl Earring - Este é literalmente
um filme de arte. É a história, certamente inventada,
da garota que posou para o pintor holandês Vermeer (Colin
Firth) num de seus quadros mais famosos. Uma típica fita
inglesa que é um exercício intelectual reimaginando
as circunstâncias em que o artista vivia e criava. Ele
tinha problemas com a esposa ciumenta, a sogra dominadora, os
diversos filhos e principalmente com os patrocinadores, um mecenas
metido à besta feito por Tom Wilkinson.
Segundo
o filme, a garota (Scarlet Johansson, a mesma de Encontros
e Desencontros e que por esse filme teve também uma indicação
como coadjuvante ao Globo de Ouro) é uma servente do pintor,
que teve que trabalhar porque o pai ficou doente. Ela namorava
o filho do açougueiro (Cillian Murphy, de Extermínio)
e ajudava Vermeer não apenas limpando seu ateliê,
mas principalmente auxiliando-o a misturar as tintas (é curioso
porque a gente nunca pensa nisso: como devia ser difícil
conseguir tintas numa era pré-industrial).
Naturalmente
a fotografia (de um português) tenta reproduzir
o estilo de luz do pintor. Ou seja, tudo é muito bonito,
requintado, artístico. Mas a fita não é nada
especial, nem tem grandes chances comerciais. Nem Scarlett,
que faz tudo direitinho, mas sua principal tarefa é ser
parecida com a moça da pintura. E só isso.
The
Company - Está passando desapercebido por aqui este
mais recente filme de Robert Altman, que ele fez para a produtora
e autora da história Neve Campbell. Parece que a moça
da trilogia Pânico é bailarina clássica de
formação e seu sonho era mostrar o comportamento
de uma companhia de balé em seu cotidiano. E fez isso
com o Joffrey Ballet de Chicago, com ela mesmo atuando num dos
papéis centrais.
Neve,
no entanto, não quis uma fita tradicional, com
entrecho dramático, tanto que mesmo dela ficamos conhecendo
muito pouco. Só sabemos que namora um jovem chefe de cozinha
? James Franco, o James Dean da TV, que por sinal não
dança. O roteiro de Barbara Turner é extremamente
esquemático. Nenhum personagem tem existência real.
Aparece por alguns momentos, diz algo e some. Não há conflito,
história ou drama. Apenas uma sucesso de números
de dança (bastante bem filmados) , enquanto os temas vão
desfilando muito rapidamente sem razão de ser.
É impossível fazer um filme sobre dança
sem tocar no homossexualismo, predominante na classe. Mas Altman
conseguiu. Embora fique evidente que a maior parte dos coreógrafos
seja gay, a única situação que aborda o
assunto envolve um dos mentores do grupo, que deseja impor seu
namorado pouco talentoso. Mas até isso fica sem resolução.
Na verdade, o filme não diz a que veio, nem porque ou
para que foi feito. Rigorosamente, como não diz nada,
acaba sendo nada. E daí o conseqüente fracasso.
Something's
Gotta Give (Alguém
Tem que Ceder) - É muito louvável
se fazer o elogio da mulher madura, algo com que eu concordo
plenamente. Há muitas mulheres que hoje têm 60 anos
e são certamente muito mais interessantes, belas e sedutoras
do que a maior parte das jovens (digo e provo: que tal Irene
Ravache, Joana Fomm ou Betty Faria para calar a boca de qualquer
argumento?).
Pois é,
a diretora e roteirista Nancy Meyers (de Do Que as Mulheres
Gostam,
com Mel Gibson) resolveu demonstrar esta
constatação com esta comédia. E deve ter
razão, porque o filme fez muito sucesso nos EUA, chegando
perto dos US$ 100 milhões, provando que ainda existe um
público adulto que vai ao cinema. Nem toda fita tem que
ser débil mental.
(O
título é o mesmo da fita inacabada de Marilyn
Monroe, mas não ha outra relação, tampouco
com a famosa canção homônima).
Bom,
nem por isso Something's Gotta Give é uma maravilha.
O filme dá uma grande chance para Diane Keaton, que é uma
das poucas mulheres de Hollywood que não fez plástica
- e isso fica claro no seu rosto caído e murcho. Ela,
que nunca foi especialmente bonita, está uma senhora
que não esconde a idade.
No
entanto, todo mundo passa o filme todo dizendo que ela é maravilhosa,
linda, charmosa, adorável e sedutora. Mas a gente nunca
vê isso, porque o roteiro esqueceu de lhe dar essas cenas.
A Diane que se vê é uma mulher insegura, às
vezes até chata, confusa, desastrada, complicada. Dizem
que ela é uma dramaturga premiada e inteligente, mas não
mostram cenas de sua obra para comprovar isso; o que vemos é ela
chupando situações da vida real para usar no texto.
Parece aquela velha teoria de que, se você repetir muito
uma coisa, ficar repisando um fato, as pessoas acabam acreditando.
Diane
tem uma casa na praia para onde vai a filha (a talentosa Amanda
Peet, cada vez melhor) com seu namorado novo: um milionário
da indústria fonográfica feito pelo grande Jack
Nicholson. E bota grande nisso. O homem é uma fera, todo
mundo já sabe disso. Mas a novidade é que ele consegue
se renovar, faz caretas novas, não tem vergonha de fazer
chanchada rasgada, até pelado aparece (aliás, Diane
também, ainda que rapidamente).
Nicholson
está mais uma vez fantástico e merecia
mais uma indicação ao Oscar®. Ate porque é ele
quem levanta o nível do elenco: mesmo Keanu Reeves, famoso
canastrão, está direitinho. Ele faz um médico
que se apaixona por Diane, sem se incomodar com a idade ou as
rugas dela (como se na vida fosse assim tão fácil).
E há ainda Frances MacDormand, sempre maravilhosa, mas
com poucas cenas.
Diane
tem ganho prêmios pelo filme, que é razoavelmente
engraçado, só que mais por causa Nicholson do dela.
Mas, basicamente, é uma comédia romântica
para a terceira idade (tive pudor de chamar de geriátrica,
afinal de contas?).
The
Boy from Oz - Vamos falar de novo do sucesso de Jackman
aqui na Broadway. A opinião é unânime:
ele é ótimo,
o show nem tanto. Senti basicamente que o problema é que
Peter Allen não merecia uma biografia. Como compositor, é de
qualidade duvidosa (alguém se lembra de Everything
Old is New Again?), ainda que ele tenha ganho um Oscar® como
um dos autores do tema de Arthur, o Milionário.
E todas as músicas do espetáculo são dele.
Como
pessoa, era um gay assumido que enganou Liza Minnelli, aparentemente
para casar com ela e ficar com um green card. Ele
teve um caso com o marido de Judy Garland (o que o ajudou a se
enturmar e fazer sucesso). E seu final foi triste: perdeu o amante,
vítima da Aids, mandou embora o agente amigo e acabou
morrendo sozinho na sua terra natal, a Austrália, também
devido ao vírus HIV.
Allen
estaria esquecido, não tivessem montado esse show
por lá e despertado o interesse de Jackman, que viu na
peça a chance de se firmar como astro da Broadway. Vale
lembrar que há em DVD uma montagem inglesa de Oklahoma
em que ele prova que tem uma voz esplêndida e grande presença
cênica. Quem o viu no Brasil, sabe que ele é um
homem bonito e simpático, muito mais do que o Wolverine.
E
o show é sua consagração. A platéia
delira (inclusive com quando tira a camisa) e ele não
sai do personagem nem mesmo quando brinca com o público,
fazendo piada com os retardatários.Tem direito até a
beijo (meio fake) entre ele e outro homem. O fato é que
Jackman, em cena, é uma estrela, canta, dança,
faz o que pode com um roteiro primário e óbvio,
que vai mostrando sua ascensão, com duas boas atrizes
fazendo imitações de Liza Minnelli e Judy Garland.
Portanto, quem gosta de ver um astro nascendo no auge da forma,
eis a chance. Não perca Hugh Jackman como The Boy
from Oz.
Por
hoje é só, amanha continuo. Até lá.
Por Rubens Ewald Filho
(Fotos: Divulgação. Ilustração
da Capa: MAR.CA - Colunas & Notas)
|