DIÁRIO DE NY: Nova York , Inverno 2004 - Parte V, Sexto Dia

18 de janeiro de 2004

A gente que vive reclamando da nossa prefeita é feliz e não sabe disso. Hoje, entre filmes, fui comer comida mexicana e pedi uma margarita, uma sub-Caipirinha sem gosto nenhum e um mínimo de álcool. E sabe que a garçonete me pediu o documento! Achei que era piada, respondi: Sabe a minha idade? Pois imagine que é lei, são obrigados a ver a carteira de identidade de todos que pedem bebida alcoólica! Pois essa é apenas uma, das ridículas, absurdas e fascitóides medidas tomadas pelo prefeito de Nova York, Bloomberg, não por causa de 11 de setembro, mas porque ele é assim mesmo, controlador e paternalista. Para não se falar coisa pior. O número novo da Vanity Fair desenvolve um pouco mais o tema, mostrando como foram criadas multas para explorar o cidadão e o turista. Vejam só: não se pode andar de bicicleta tirando o pé do pedal (multa 100 dólares), não se pode ocupar duas cadeiras no metrô (mesmo que ele esteja vazio - multa 50 dólares), não se pode fumar em lugar fechado (de 200 a 2000 dólares), não se pode sentar num degrau de metrô para consertar um sapato estragado, por exemplo (classificado como conduta desordeira, multa de 50 dólares), não se pode sentar numa caixa de guardar leite (essa é o máximo, 105 dólares), não se pode fumar no carro (até 2 mil) e não se pode dar de comer aos pombos (classificado como manter uma praga, 50 dólares). Isso é democracia!

 

Wonderful Town - Os críticos têm falado maravilhas desta remontagem/revival do musical composto pelos venerável maestro Leonard Bernstein (autor de West Side Story) e os roteiristas Comden e Green (autores de Cantando na Chuva) e que, no começo dos anos 50, foi um grande sucesso na Broadway com a deliciosa Rosalind Russell. A história por sua vez já havia sido filmada antes pela própria Rosalind como Solteira às Soltas (My Sister Eilleen, com Janet Blair, em 42, de Alexander Hall) e como a Colúmbia tinha os direitos, preferiu refilmá-la como musical em 55 como Jejum de Amor (My Sister Eilleen, 55, de Richard Quine, com Janet Leigh, Jack Lemmon,Bob Fosse, Betty Garrett). Todas elas memoráveis. Mas agora, resolveram remontar o show como veículo para a atriz Donna Murphy, premiada com o Tony por The King and I e Passion. Mas não gostei dela. Senti que a sra. Murphy está doente, muito magra, puxa a boca para a esquerda, faz tiques esquisitos com os olhos e não é naturalmente engraçada (como era Rosalind). Cai mesmo na caricatura. O show é até bonitinho, nostálgico, com meia-dúzia de canções bonitinhas e até mesmo uma conga dançada por marinheiros brasileiros! Vamos fazer um parênteses: Continuo a achar um absurdo que hoje em dia permitam mostrar brasileiros falando espanhol e dançando conga (ao menos não dizem que é a música nacional, e Donna admite que no Brasil se fala português, mas nem por isso eles deixam de arriscar umas palavras em espanhol). Acho ofensivo. Como é absurdo que no Master and Commander também se fale um português fonético incompreensível (e o Brasil que mostram parece ilha dos Mares do Sul, outro insulto). Menos mal é em Something Gotta Give onde há, na trilha, duas músicas brasileiras, a Aquarela do Brasil e outra de Bebel Gilberto (parece que a diretora não gostou da trilha de Alan Silvestri e, na última hora, Hans Zimmer improvisou uma trilha de canções conhecidas).

Voltando ao show, com conga ou sem conga, falta Rosalind ou Carol Burnett, ou outra estrela semelhante. E rebatemos na mesma tecla. De que adianta montar espetáculos, quando faltam estrelas ou talentos que justifiquem o projeto?

 

Angelika Film Center - Passei o sábado vendo filmes no Angelika, no Village, que é um sub-Arteplex, pretensioso e decadente. Acho um absurdo que o melhor cinema de arte de Nova York tenha má projeção e se ouça em suas salas o barulho do Subway/Metrô. Sua programação também não é essas coisas (por falar nisso, não há sinal nem em Nova York, nem nas revistas para a indústria, dos trades de anúncios promovendo Carandiru. Tem muito de Cidade de Deus sim, conforme a Miramax prometeu, mas não levantaram uma palha por Carandiru). De qualquer forma, vi três filmes de arte.

Japanese Story - é uma fita australiana de Sue Brooks, que teria ganhado os principais prêmios do Oscar local (8) inclusive atriz (Toni Colette) e direção. Mas não é tudo isso. Toni a gente já sabe que é uma maravilha (vide sua pontinha bárbara em As Horas) mas o filme é apenas curioso. Ela é obrigada a acompanhar um japonês rico e jovem, que deseja conhecer o deserto e as minas. Eventualmente eles começam um casinho (o rapaz é casado), mas ele acaba morrendo afogado num laguinho. E pronto. Fim da história, embora ela ainda se prolongue por meia hora. E dai? Pois é. É o caso mesmo de perguntar.

 

 

Tokyo Godfathers (de Kon Satoshi) - Os anime japoneses (os filmes de animação) ainda não pegaram nos EUA. Este eu assiste em sala vazia, talvez porque não é para criança, nem tem o que atraia adulto (até porque é muito sentimental, cheio de choradeira, de temas natalinos). É inspirado naquele filme de John Ford, 3 Godfathers (no Brasil, O Céu Mandou Alguém) onde três homeless cuidam de um bebê que encontram no lixo. Um deles é uma menina que fugiu de casa, outro é um homo, outro travesti e o terceiro um sujeito que largou sua família. Mas com toda boa vontade, enfrentando frio e neve, eles vão procurar quem possa ser a mãe da criança, passando por várias aventuras (algumas em tom de action-adventure) e reviravoltas. Não deixa de ser curioso ter uma heroína drag-queen velha e japonesa (tem uma seqüência onde ela vai pedir ajuda para as colegas) e que tem uma paixão pelo colega sem teto. A animação é fraca, mas a concepção visual, porém, é interessante. Mas não a ponto de justificar uma importação para o Brasil. A não ser para o Mix-Brasil.

 

The Station Agent (de Thomas McCarthy) - Depois de ter feito sucesso em Sundance, este filme acabou tendo indicado para o SAG, como melhor atriz, Patricia Clarkson (Carrie, a estranha versão nova em cartaz no Telecine, Far from Heaven, Wonderland) e melhor ator para o anão Peter Dinklage (que tem boa participação em Um Elfo em Nova York). Ele parece ser o primeiro anão a poder fazer boa carreira no cinema (não há outra forma mais delicada de chamar no Brasil, aliás o filme mostra de forma sutil e sensível os problemas que eles sofrem e passam). Em parte porque é bonitão, tem boa voz, é bom ator e pode ser usado de variadas formas, até se esquecendo seu tamanho. O filme é uma típica produção independente. Quase não tem história. É sobre esse anão que herda uma estação de trem em Nova Jersey, que faz amizade com uma mulher que perdeu o filho pequeno e ainda não conseguiu sair da crise. E também com um latino boa-praça que precisa de companhia (o muito simpático Bobby Cannavale, casado com a filha de Sidney Lumet e astro do seriado Oz). E juntos vão atrás de trens (Train Chaser). Ou seja, uma história agradável, que acaba abruptamente e que, em bons tempos, iria passar desapercebida. Mas, na falta de alternativas, até ameaça ganhar prêmios. Credo! Que ano mais confuso este!

Até amanhã.

Por Rubens Ewald Filho