DIÁRIO DE NY: Nova York , Inverno 2004 - Parte VI, Sétimo Dia

20 de janeiro de 2004

Hoje vou começar falando de teatro. Já comentei o sucesso imenso que está fazendo Hugh Jackman por aqui. Pena que não posso dizer o mesmo de outra dupla de atores de cinema que estão fazendo Broadway. Ficou famoso o caso do ator Ned Beatty (Deliverance, Network) que faz o papel de Big Daddy em Gata em Teto de Zinco Quente que foi aos jornais e deu uma declaração dizendo que os atores que trabalhavam com ele na peca, Ashley Judd e Jason Patric, não tinham a técnica suficiente para fazerem teatro. Foi uma descortesia e também um escândalo (pelo que eu vi em cena, eles estavam com boas relações). Só que, sem dúvida, nenhum fato inegável.

Para o casal, ambos bonitos (Ashley, que eu conheci em começo de carreira em Cannes, era uma das mulheres mais belas que já vi na vida. Agora, dez anos depois, ainda continua muito bonita, mesmo maquiada como se fosse nos anos cinqüenta, com a boca em forma de coração, como se fosse Kathryn Grayson). O problema é que lhe falta uma câmera na frente. Ela representa para a câmera e não para o público. Eu sentei na primeira fila, onde se tem um close implacável de tudo (o rapaz tem pés horriveis e veias aparentes, Ashley é linda em tudo, dos pés à cabeça).

Sempre tive curiosidade de ver a peça de Tennessee Williams montada em cena, porque conhecia apenas o filme com Elizabeth Taylor, Burl Ives e Paul Newman, que é uma versão que o autor detestava (também porque foi toda modificada, tirando toda a citação a homossexualismo). Mas é preciso admitir que o filme é muito bom, o elenco está perfeito (inclusive Elizabeth que é Maggie, a Gata, perfeita, inclusive no sotaque e voz irritantes).

Nesta montagem, segue-se a versão revisada pelo autor nos anos 70, onde o protagonista fala de seus problemas com o amigo que morreu (numa espécie de amor nunca declarado e perdido, que estragou a vida dos dois). Ned Beatty tem ótima presença como o pai do herói que está morrendo de câncer (e a família tenta esconder) assim como a mulher dele (no filme, ela pouco aparece, aqui tem grande presença, uma coadjuvante de cinema chamada Margo Martindale (As Horas). Mas, estranhamente, Maggie fica fora de cena praticamente todo o segundo ato (são três) e sua participação deixa de ter importância. Porque Jason vi crescendo durante a peça, conseguindo até certa emoção na cena de confissão e conversa com o pai (ele tem bons genes, seu avô era Jackie Gleason, o pai o ator e autor Jason Miller - o padre de O Exorcista). Mas a pobre Ashley, ela não tem remédio. Um colírio para os olhos, mas é tudo aquilo que a gente diz que não dá certo com hollywood stars. Deixa eu dar outro detalhe curioso, de quem sentou na primeira fila: a dupla hollywoodiana de vez em quando ficava olhando para a gente, conferindo reações. Total falta de concentração que você nao via, por exemplo, em Beatty.

 

Paycheck - Podem riscar John Woo do seu caderno de diretores interessantes. Depois do fracasso de Códigos de Guerra (Windtalkers), ele errou de novo com esta adaptação de um livro de ficção científica de Philip Dick (Blade Runner, Minority Report). Tanto que já caiu dos dez mais de bilheteria, mesmo sem ter grandes novidades. Não ajuda nada o fato de que o protagonista é feito por Ben Affleck, que teria que interpretar um sujeito muito inteligente e esperto. Ele tem cara de tudo, menos de inteligente. E o filme simplesmente não convence. A trama é confusa e ao mesmo tempo óbvia, porque usa um velho clichê de histórias do gênero. Ele é um cientista que trabalha para grandes firmas, roubando segredos. Melhor dizendo, é um engenheiro que trabalha ao inverso, reconstruindo tecnologias de outras companhias e descobrindo como elas funcionam. Até que recebe uma proposta de gastar três anos de sua vida num projeto, mesmo que ao final dele, toda sua memória fosse apagada de sua mente (o que é feito, no domínio da Sci-Fi, com a maior facilidade). O problema é que ele está sendo ameaçado de morte por seu empregador e não tem nem idéia do porquê. Nem se lembra da mulher que amava (Uma Thurman, menos intensa do que em Kill Bill). Mas como inventou um jeito de ver o futuro (ufa!) ele fornece a si próprio uma dúzia de objetos comuns que lhe servirão, quando em perigo, para reconstruir os fatos. E assim vai usando esses objetos (chaves, coisas assim) numa constante fuga. O filme não chega a ser exatamente ruim, o problema é que é medíocre e poderia ter sido feito por qualquer um. Woo não deixa sua assinatura e isso contribui para a decepção.

 

Cheaper by the Dozen - Correndo o risco de parecer saudosista, esta é uma refilmagem de Papai Batuta, uma fita do começo dos anos 50, com Clifton Webb e Myrna Loy, que conta os problemas de uma família com 12 filhos e as dificuldades para criá-los. Era uma comédia de situações, crítica social, romance. Mas hoje em dia não se sabe mais fazer nada disso, e o resultado é uma chanchada mal-construída, sem nexo ou sentido, que está fazendo certo sucesso simplesmente porque tem no elenco, além de Steve Martin (que pouco tem a fazer como o pai dos 12 filhos), gente popular entre os jovens, como Ashton Kutcher (que faz o namorado da filha mais velha, Piper Perabo, em três ou quatro seqüências de puro pastelão), o bonitão de Smallville que faz o jovem Superman (Tom Welling) e a atual ídolo das teens, Hilary Duff (que já vendeu dois discos de platina de seu CD, embora mal apareça na fita, como a filha metida a fashion). Não dá para levar a sério uma fita que faz o louvor das coisas erradas (da vida na cidade pequena, mesmo que isso signifique que eles não terão dinheiro para a universidade), onde crianças falam como adultos e se comportam como terroristas (não esqueço que em Gata em Teto de Zinco Quente as crianças são referidas como monstros sem pescoço), onde todo comportamento termina em desastre, onde ninguém tem personalidade ou individualidade, etc e tal. E que, no final, volta tudo atrás. Ou seja, sua única finalidade é juntar um monte de gente, em quatro ou cinco situaçõees caóticas, que pretensamente devem fazer rir. Triste estado da comédia atual (quando bastava seguirem outros filmes e séries de TV, que têm a mesma temática tipo Os Seus, os Meus e os Nossos). Tudo é tão mal justificado que tentam nos convencer que o livro que a mãe (Bonnie Hunt) está lançando seria aprovado, editado e lançado tudo na mesma semana. Enfim, é muito fraco e bobo. Mas já fez mais de 110 milhões de dólares. Por hoje é só.

Amanhã eu continuo, mas já vou avisando que os filmes estão se acabando. Até lá.

Por Rubens Ewald Filho