DIÁRIOS DE NY - VERÃO DE 2004 - PARTE III

05 de agosto de 2004

Não tem muitas peças para ver desta vez, estou até pensando em rever Rua 42 só para ver de perto num palco, Shirley Jones, ilustre estrela de Carrossel e Oklahoma (ela está em cartaz junto com o filho, Patrick Cassidy). Mas assisti outra montagem de primeira qualidade, I Am my own Wife (Eu sou minha própria Esposa), que deu o Tony de melhor ator para o Jefferson Mays e o Putlizer para o autor Doug Wright (o mesmo de Quills, aquele do Marquês de Sade). Ambos merecidos. O show conta a história real de Charlotte von Mahlsdorf, um rapaz alemão que, em pleno nazismo, resolve se vestir sempre de mulher, mata o pai (que ameaça matar a mãe), consegue sobreviver à Segunda Guerra, à prisão, quase é fuzilado. Depois vivendo na Alemanha Oriental, sofre novamente a repressão, mas durante 30 anos consegue manter um pequeno museu de móveis. E embaixo do prédio, no porão, manteve a única boate gay do país. Descoberto quando caiu o muro, acabou sendo premiado (recebeu medalha de mérito), mas foi criticado quando descobriu-se que teve que colaborar com a polícia comunista.

O espetáculo é um monólogo, mas o ator faz, além da heroína, também o escritor, o policial, alguns jornalistas e assim por diante. Mudando de voz e tipo, mas mantendo quase sempre o figurino sóbrio (um vestidinho com um colar de pérolas). Ele tem olhos enormes azuis, parecendo o Henry Fonda e a minha tia alemã, a Mause. Há um pequeno problema no segundo ato, quando a coragem do personagem é um pouco contestada, e há um esforço de ligar a história dele com o movimento gay americano. O que não dá muito certo. Mas é um show do ator (e que pode ser repetido no Brasil por alguém como Ney Latorraca ou até Paulo Autran, com quem o personagem se parecia um pouco quando mais velho). Um detalhe curioso: na fileira na minha frente estava sentado o diretor e crítico Peter Bogdnadovich, talvez pensando em adaptar o texto para o cinema. Vamos falar de alguns filmes:

 

A Supremacia Bourne

Gostei mais do primeiro, mas este também é bom. Perdeu-se a surpresa e caiu numa fórmula que ainda dá certo: uma narrativa intensa, rápida, com uma câmera na mão que dá vertigem e tonteira, que não deixa ver direito o que está se passando, que passa uma impressão permanente de que alguma coisa está errada, ou prestes a acontecer. O que achei mais curioso foi o fato de que mudou o diretor, saiu Doug Liman (que teria brigado com o produtor) e foi substituído por um inglês que era autor de fitas de arte, o Paul Greengrass (o excelente e pouco visto Domingo Sangrento).

E não dá para perceber. Ficou igual. Sinal de que o autor da fita na verdade é o produtor (tive que procurar, mas é obviamente Frank Marshall, que foi parceiro de longa data de Spielberg e também diretor, ou seja, sabe o que fazer e o que pedir). Fora isso, Matt Damon com sua cara de não galã, continua a funcionar mesmo estando ainda sem memória, Quando o filme começa ele está em Goa, Índia, onde logo nos primeiros cinco minutos a mulher (Franka Potente) é assassinada (ele não terá outro interesse romântico na fita, Julia Stiles torna a aparecer como a agente do filme anterior, mas continua aparecendo pouco). Quem mata é um russo e será por lá que o filme terá seu clímax, com uma grande perseguição de carros pelas ruas de Moscou (o que seria diferente caso a gente conseguisse enxergar alguma coisa). Caso você não fique mareado, dá para acompanhar as intrigas da história, que envolvem uma nova chefe (a sempre boa Joan Allen), problemas com o antigo (Brian Cox), várias fugas por Berlim e outros momentos de tensão e suspense. Ou seja, já não traz novidades, mas ainda prende a atenção (embora seja difícil ter simpatia por um sujeito que no fundo não passava de um assassino frio e impassível, às ordens dos americanos).

 

Maria Cheia de Graça

Está tendo ótimas críticas por aqui este filme colombiano Maria Eres Lllena de Gracia (2004), escrito e dirigido por um certo Joshua Marton, americano, montador. Mas não é nada especial.

Já vi essa história inclusive faz algum tempo, numa fita B para vídeo, com a Madeleine Stowe (Tropical Snow, 89) que contava a mesma história, uma garota pobre que aceita ser mula para traficantes de drogas, trazendo cocaína no estomago. Aqui, é basicamente isso. Uma garota bonita, mas ingênua e voluntariosa, chamada Maria que topa (sem maiores dificuldades ou escrúpulos) servir de mula. Ela e mais três outras mulheres. Duas chegam bem e uma terceira fica muito doente quando chegam à América (e os traficantes abrem sua barriga para tirar a droga, matando-a). O que fazer? Feito com aquela fotografia meio esverdeada de fita latina, sem grandes lances ou achados, o filme não traz nada de novo, ou especial.

Não merecia estar em duas salas do importante Plaza do Lincoln Center.

 

Zaitochi, Blind Swordsman

Não tinha me dado conta que este filme de Takeshi Kitano tinha ganhado quatro prêmios em Veneza, prêmio do público em Toronto, vários da Academia japonesa. Meu interesse nele era porque se trata da refilmagem de uma celebre série de fitas de ação japonesa com o personagem de Zaitochi, o espadachim cego (se não me engano, foram 26 filmes, que eu nunca tive a chance de ver). E que são basicamente sobre um espadachim que compensa o fato de ser cego com a precisão dos outros sentidos. Aqui Kitano estranhamente pintou o cabelo de loiro e optou por andar sempre de olhos fechados (a não ser nos últimos cinco minutos). Além de andar sempre devagar e de pernas abertas. Mas a verdade é que ele não é um grande realizador. Tem idéias, mas peca sempre nos enquadramentos, na decupagem. Suas imagens aqui não têm a beleza dos filmes de samurai de Kurosawa nem de longe do Hero de Zhang Yumou (que está prestes a estrear nos EUA). Nem a harmonia ou elegância. Mesmo as cenas de lutas são banais (e fiquei irritado em perceber logo de cara que o sangue espirrando foi colocado depois por efeitos digitais).

A história ficou alongada e por vezes confusa. De novo mesmo parece que tem a história da pedofilia (um garoto se prostitui quando bandidos matam sua família e acaba virando travesti/gueixa, quando junto com a irmã procura a vingança, na qual Zaitochi irá colaborar). E tenta-se manter surpresa da identidade do chefe dos bandidos.

Mas fiquei decepcionado com o filme, que não tem o brilho de outros anteriores ou mesmo do similar chinês. Tanta consagração veio fora de hora.

Por hoje é só, voltamos amanhã.

 

Por Rubens Ewald Filho