DIÁRIOS DE NOVA YORK - TEMPORADA DE VERÃO - PARTE IV

09 de agosto de 2004

Já assisti à primeira peça da temporada, que foi Frogs (Sapos) de Aristófanes, numa nova versão escrita e estrelada por Nathan Lane, aproveitando canções (algumas já antigas, outras novas) de Stephen Sondheim, direção de Susan Stroman (The Producers) em cartaz no Vivien Beaumont, no Lincoln Center (aliás comemorando seus vinte anos). Ou seja, não é pouca porcaria. Com muita gente em cena, excelente cenografia (citando o Cirque Du Soleil), é o melhor espetáculo recente na cidade. Espero que meu host Armando Bravi, especialista em Sondheim, escreva dando alguns detalhes mais aprofundados do show, mas basicamente posso garantir que é inteligente, divertido (Nathan está excelente como sempre e tem como assistente - ou como chamam Second Banana - Roger Bart, visto agora como o gay de Mulheres Perfeitas). Nathan faz o Deus Dionísio que resolveu ir até o Hades (Inferno) para tentar resgatar o Bernard Shaw porque acha que o mundo está tão caótico, que os políticos precisam ouvir algumas verdades. E acaba encontrando também Shakespeare, e ambos tem uma espécie de combate verbal para ver quem daria mais certo na Terra falando aos humanos. E ganha o poeta. É evidente a intenção política de Lane, que chama os americanos (no final tem até Estátua da Liberdade) de sapos conformistas que vivem coaxando na lagoa indiferentes, e todos os políticos de corruptos ou incompetentes. E os acusa literalmente de provocar medo nas pessoas, que assustadas não reagem, não reclamam, não fazem nada. Parece justamente o discurso que disse aqui dias atrás ao ver os falsos alarmes do governo local. Está tudo lá, com a ajuda da Comédia Grega, Shakespeare, Shaw e Lane. Francamente foi um dos espetáculos que mais gostei em bastante tempo (e sem querer ser chato, como é bom ver um espetáculo bem-acabado, bem-feito, em todos os aspectos e, sabem o que mais, financiado por particulares, por doações). Vamos aos filmes do dia:

She Hate Me

É assim mesmo sem S. Quem dirige é Spike Lee que pela primeira vez aborda a questão do homossexualismo, ainda que feminino (ele andou dando entrevistas às revistas especializadas pedindo desculpas, dizendo que não é preconceituoso, mas que veio de um ambiente e uma raça que não é muito liberal, que o ranço ficou um pouco nele. Vendo o filme a sensação que eu tive foi que ele não melhorou muito. Ele toca no assunto, mas sempre pelo ponto de vista de um heterossexual que acha excitante mulheres transarem com outras mulheres, mesmo que no fundo ache que não os substitue). Acaba prejudicado por um ator muito fraco, de que eu não lembrava, Anthony Mackie (um Eddie Murphy sem graça revelado em 8 Mile). Ele faz um alto executivo de uma companhia farmacêutica que espera fazer dinheiro com uma vacina contra a Aids. Mas, quando a fórmula não é aprovada, são levados a práticas desonestas. Ele resolve denunciar isso (e o filme faz diretamente um elogio às pessoas que tiveram coragem de blow the whistle, literalmente soar o apito e, em particular, a um negro desconhecido, que foi o sujeito que na verdade descobriu a invasão em Watergate, levando à queda de Nixon, e que a história deixou de registrar, segundo Lee por ser negro). Como se vê ele continua polêmico, acusando as grandes corporações de corrupção (um cientista se mata, os vice-presidentes são corruptos - entre eles Woody Harrelson e Ellen Barkin voltando ao cinema muito feia e velha, parece que o marido rico dela lhe deu um chute, isso na vida real). Rodado em digital, o filme atira em muitos alvos e acaba se perdendo, já que a maior parte da fita acaba ficando em cima do herói que, para sustentar-se, resolver ser uma máquina de ceder esperma para casais de lésbicas que desejam engravidar. E cobra, imaginem se é possível, dez mil dólares por transa. Assim, qualquer um, né… O fato é que as lésbicas transam com ele, engravidam (uma delas é a linda Monica Bellucci, o que faz com que ele se aproxime da Máfia, o pai dela, John Turturro, imita cenas inteiras de O Poderoso Chefão; aliás Spike Lee é bem condescendente com a Máfia, dá para desconfiar). E tudo isso porque sua ex-esposa agora vive com uma lésbica latina (ele a chama de brasileira mas ela diz ser dominicana). E ele engravida as duas, e no final parece compartilhá-las (ou seja, viva a macheza do negrão que conquista tudo, até fica com duas mulheres e dois filhos para si, bastando para isso liberar a esposa para ter um casinho junto com outra mulher). Enfim, uma vez reacionário, não se muda assim. Ah, quem está no elenco, bem interessante, é o veterano jogador de futebol Jim Brown que faz o pai do herói. A fita da Sony tem cara de sair no Brasil direto em home-video.

The Village

Os críticos americanos arrasaram e desconfio que foi porque estavam desapontados com o horrível Sinais, que destruiu a reputação do diretor M. Night Shyamalan. Mas o público compareceu, rendendo mais de 50 milhões na primeira semana. Na segunda vai cair, até porque no fundo é um blefe, não chega bem a ser fita de terror. Mas nem por isso é ruim. Olha que digo com isenção, porque eu também fiquei desiludido com o diretor indiano (desta vez ele faz uma pontinha bem pequena, como um chefe policial, que é vista apenas no reflexo de um vidro; no fundo isso é o auge do ego porque se mostra, mas obriga as pessoas a prestarem atenção). Lembram-se de quando Adrien Brody ganhou o Oscar e eu comentei que infelizmente não ia adiantar nada, porque ele não teria papéis à sua disposição, que iria cair em tipos esquisitos e virar coadjuvante de luxo. Pois já aconteceu isso: aqui neste filme ele faz o papel do village idiot, do bobo da aldeia, um deficiente mental que entra na história sem maior aprofundamento, puro clichê, que podia ter sido feito por qualquer um. Na verdade, o problema aqui é que posso falar muito pouco do filme sem estragar sua proposta. No fundo ele é uma alegoria, um apólogo e não tem muito a ver com outras fitas do gênero terror. Pode parecer um pouco aqueles contos de fadas antigos, com sabor de Rússia ou Polônia. Basicamente é sobre uma aldeia (meio Amish) que vive atormentada pela presença de um Povo de que não se diz o nome, Criaturas que os atacam de vez em quando, mas têm que ser mantidos fora de suas fronteiras por tochas e respeito mútuo. Tem até sentinelas, já que em determinado momento elas aparecem, e são Figuras altas com roupa vermelha (uma cor que é proibida na aldeia) e unhas longas e afiadas. A trama central é sobre uma garota cega (a promissora Bryce Dallas Howard, que é ruiva e sardenta como o pai, o diretor Ron Howard) que está para casar com Joaquin Phoenix, mas este é apunhalado por Adrien, que é apaixonado por ela. Bryce tem então que ir até a cidade mais próxima em busca de ajuda (e remédios) e assim acaba descobrindo a verdade. E mais não digo. Só que a moral da história é parecida com a de Frogs, que o povo, a gente mantém calado através do medo. Basta concluir que o filme é bem dirigido (nada de câmera na mão, planos discretos e distantes, entrecortados com alguns detalhes. Mas sempre bem eficiente, como por exemplo quando Phoenix é apunhalado, o que vemos através de seu rosto.E temos a surpresa depois. Enfim, não chega a ter grandes sustos e pode decepcionar o que esperavam outra invasão de ETs Mas é uma fita sóbria e discreta, bastante interessante. Vale mencionar também no elenco William Hurt (como o pai dela, melhor do que costume) e Sigourney Weaver (como a mãe de Joaquin).

Por Rubens Ewald Filho