DIÁRIOS DE NOVA YORK - TEMPORADA DE VERÃO - PARTE V

10 de agosto de 2004

Continuo indo ao teatro todas as noites, mas a boa fase já passou. Aliás, a tradicional crise de público no fim do verão está fazendo suas vítimas. Vão fechar dentro de alguns dias: o premiado Caroline, or Change (que honestamente não tive vontade de assistir), a remontagem de Pequena Loja dos Horrores, o Aida da Disney e Elton John (que não é grande coisa) e o drama Frozen (outro que não me animou). E há poucas estréias previstas: Little Women, com Sutton Rolley (que não consigo lembrar quem seja), Pacific Ouvertures, de Sondheim, um show chamado Brooklyn, e um Drácula, já em previews, da mesma turma do Pimpinela Escarlaté (por isso mesmo nem passei perto).

O que fui ver é Sly Fox, uma comédia escrita pelo famoso roteirista de cinema Larry Gelbart (Tootsie), inspirado no clássico Volpone, e dirigido pelo veterano Arthur Penn (Bonnie & Clyde). Mas não esperava que um elenco ilustre fosse cair na total chanchada. É quase um episódio da Praça da Alegria, ou seja, bons atores sem controle. Isso se aplica a Richard Dreyfuss, que faz papel duplo, o herói e também o juiz. Ele tem uma curiosa mania, que é a de ficar olhando para a platéia para capturar sua cumplicidade. O elenco que o cerca é de veteranos humoristas, de quem a gente não lembra direito o nome, mas conhece o rosto (Larry Storch quase mumificado, Bob Dish). Seu assistente é feito por Eric Stoltz, e no elenco a curiosidade é a presença da estrela do maldito Showgirls, Elizabeth Berkley (que tem olhos azuis e é menos feia pessoalmente). Aliás o filme dela saiu aqui nos EUA numa edição especial enorme, cheia de extras (todos debochando do filme, é um kit para usar em festas, tirando sarro da fita!). A comédia não me fez rir uma única vez, mas foi recebida com entusiasmo pela platéia (a peça muda de elenco a partir da semana que vem, ficando sem Dreyfuss e baixando o preço para 45 dólares, o que obviamente quer dizer que está em liquidação). Assisti também Bombay Dreams, uma produção de Andrew Lloyd Webber, que foi a primeira tentativa de popularizar para o grande público as convenções do cinema indiano, da chamada Bollywood (com B mesmo). Mas metade da platéia (não lotada) era de origem indiana, talvez os que conseguem curtir melhor o conto de fadas, do rapaz vindo das favelas, ou seja, intocável, que tenta se tornar astro de cinema. As canções são medianas, a coreografia entusiasmada, a cenografia kitsch e muito colorida. Mas o texto é tão fraco, o elenco tão sem brilho (ainda que profissional) que fica difícil se envolver. É outro show que não deve ir muito longe.

Vamos aos filmes que assisti.

 

Stander

Fui ver porque ainda estou com a África do Sul na cabeça. Esta é uma fita que conta a história do criminoso mais famoso do país, um capitão de polícia nos anos 70 que, traumatizado por ter matado um negro numa manifestação (o herói era contra o apartheid e nunca mais esqueceria isso, tentando se punir de várias formas), acaba se tornando, quase por acaso, ladrão de bancos.

Preso, consegue escapar e acaba se tornando uma lenda local, por causa da ousadia e esperteza dos assaltos. Quem estrela a fita é o americano Thomas Jane (que parece Christopher Lambert) ao lado da boa Deborah Kara Unger. Não tem muito a dizer da fita. Ela tenta justificar psicologicamente o personagem (o anúncio diz: bom policial, grande criminoso), que começa como Robin Hood, tem até bom coração mas não consegue escapar da vida que escolheu. Esse, se chegar ao Brasil, vai direto para home-video.

 

Anchorman

Foi bem de bilheteria, comprovando o bom momento do comediante Will Ferrell (Elf - Um Duende em Nova York) e seu estilo curioso de comédia infame, mas não agressivo. Aproveita um personagem que ele fazia no Saturday Night Live, um apresentador de TV, um âncora dos anos 70 em San Diego, chamado Ron Burgundy (a época não é mostrada em detalhes e o retrato dele é afetuoso e gentil). Completamente bobo, ele lê tudo que aparece no teleprompter sem raciocinar. Anda sempre cercado por três parceiros machões e bobos (o elenco de apoio podia ser melhor, é muito pouco engraçado) e tem problemas quando surge uma repórter ambiciosa (Christina Applegate), que deseja ser âncora também. Isso é o filme, que não é em nada notável (a não ser pela aparição de amigos famosos, fazendo os rivais jornalistas, no caso Ben Stiller, Tim Robbins, Luke Wilson - que tem uma grande luta com eles, que parece fora de tom com o resto do filme). Fica estranho uma sátira doce e até leve como esta.

Não acredito que tenha público para ele no Brasil (Dreamworks).

 

Garden State

Gostei muito desta estréia do comediante Zach Braff, na direção e roteiro (e também como astro). Não lembrava que o astro da série de TV Scrubs (das mais engraçadas do momento) tivesse estreado como o filho de Woody Allen em Assassinato Misterioso em Manhattan. O filme já tinha feito sucesso em Sundance e agora está em cartaz pela Fox Searchlight. Mas o rapaz demonstra talento e sensibilidade, numa história autobiográfica. Faz um ator mal-sucedido, que retorna para sua cidade natal em Nova Jersey, justamente o Estado Jardim, para o enterro da mãe doente (o pai é Ian Holm), que havia ficado paralisada num acidente provocado involuntariamente por ele. Reencontra os antigos amigos (um deles ficou rico com uma invenção e agora não faz nada na vida, outro feito por Peter Skasgard, sonha com esquemas impossíveis) e acaba se envolvendo com uma garota muito jovem (Natalie Portman, de Star Wars, que volta a ficar adorável depois de um tempo que passou totalmente inexpressiva). O filme é só isso: os reencontros, os acertos de contas, o recomeço. Tudo feito com um humor diferente (certamente judeu), discreto, mas por vezes muito divertido. Talvez pudesse ter mais força, dizer mais coisas, ir mais longe. Mas vai ver esse é o estilo dele, que me pareceu promissor.

Até amanhã, quando conto mais sobre Nova York.

Por Rubens Ewald Filho