16
de maio de
2004
Como é fim
de semana e faz tempo bom (ainda não muito calor, mas
o sol apareceu), Cannes está cheia de turistas que desfilam
usando aquelas antenas/orelhas verdes do ogro Shrek. Sinal do
sucesso que fez neste sábado este filme de animação
que foi um marco histórico no festival. Esta é a
primeira vez que uma continuação concorre à Palma,
assim como havia sucedido com o original, e ainda por cima sendo
desenho.
Na
verdade, numa safra de filmes de atmosfera muito pesada, trágica,
um filme como "Shrek 2" é super
bem-vindo. Todo mundo já estava de boa vontade, com um
sorriso nos lábios. E a última dúvida era
decidir se este era melhor ou igual ao primeiro.
Descontando-se
o fato de que perdeu a novidade (e celebrando que não
voltaram atrás e continuam iconoclastas
e irreverentes como sempre), "Shrek 2" é roubado
pela figura do Gato de Botas (Antonio Banderas) que é manhoso,
felino e impagável, chegando mesmo a roubar a cena do
burro de Eddie Murphy. Embora todos os jornalistas estivessem
encantados com a presença de Miss Julie Andrews, ainda
bela e classuda, muito elegante (alguns anos atrás a encontramos
aqui, na platéia da homenagem que Cannes prestou ao marido
dela, Blake Edwards, e confirmo como ela está conservada
e ainda bonita. Claro que toda uma geração criada
com sua Maria ou Maru Poppins só poderia estar mesmo encantada
em vê-la).
De
qualquer forma, "Shrek 2" foi um sucesso, no lugar
e hora certa. Não dá para saber se terá algum
prêmio.
Penelope
Faz
anos que falo mal de Penelope Cruz, das suas tentativas infelizes
de virar sex symbol, de seus problemas com línguas e sotaques.
Mas fico até feliz em anunciar que ela finalmente acertou,
e num filme italiano, onde fala com sua própria voz e
sai-se muito bem como atriz.
Pena
que não concorra. Falo de "Non ti Mouvere" (não
te mova), co-estrelado e dirigido por Sergio Catellito, um dos
poucos astros do cinema italiano atual.
A fita
parece um daqueles dramas da segunda fase do neo-realismo, quando
Dino Risi dirigia
Alberto Sordi em comédias dramáticas
sobre dilemas humanos e sociais.
No
caso, um médico bem sucedido, cirurgião (largado
na vida cedo pelo pai), que tem uma bela mulher mas que mesmo
assim, e sem explicacão, estupra e depois mantém
relações como amante com uma camareira feia e vulgar
(Penelope).
É um
amor sem explicação, mas tocante (lembrou
aquele filme "Um Amor Tão Fragil"/"La Dentelliere",
com Isabelle Huppert). Porque é visceral, um precisa do
outro (tem sexo mas esse nao é o fato essencial, ambos
são solitários de formas diferentes).
Tudo
isso é contado em flash back a partir do acidente
de moto da filha de 15 anos de Sergio, que está na mesa
de operações e pode morrer.
A narrativa é muito
boa, bem fotografada, musicada, editada (o que não tem
sido verdade para muitos outros filmes italianos recentes). Eu
tinha que sair do filme para outro compromisso
no mesmo horário e fui ficando e atrasando, de tanto que
me envolvi na história. Queria saber seu desenlace (não
vou contar qual).
Mas é um belo trabalho. Um bom drama valorizado pelo
melhor momento de Penelope no cinema. Maquiada de forma a ficar
(mais) feia, usando roupas pobres, caminhando de maneira deselegante
que esconde o charme (que temos que admitir ela tem). Penelope
usa o velho truque da atriz sexy que fica feia para ser admirada
(Nicole Kidman, Charlize Theron). Tem lances até Anna
Magnanin, Lea Massari, chega a lembrar as grandes. Maior elogio
não podia dar.
Amiga
de Waltinho
Faz
tempo que Walter Salles tem dado entrevistas elogiando o cinema
argentino e em particular a diretora Lucrecia Martel (cujo filme
anterior, "La Cienega" estava em São Paulo,
acho que como "O Pantano", no Cine Sesc).
O gosto
de Waltinho é muito discutível, não é dos
melhores críticos (e duvido muito que tenha algum argentino
falando bem dele). De qualquer forma, como não vi o
anterior, só posso dizer que este é muito ruim. É daqueles
filmes oblíquos, que conta tudo sempre através
de alguma fresta, sem encarar os personagens de frente. Embora
curto (hora e meia) é lento, aborrecido, mal resolvido
(o final simplesmente não existiu e quase provocou vaias).
Passa-se
num velho hotel do interior, de termas, onde está acontecendo
um congresso de médicos. Um deles é meio tarado
porque se envolve tanto com uma mãe quanto com a filha
menor de idade dela, um escândalo que será revelado
por sua amiguinha de piscina (mas o filme termina antes dele
estourar, ou seja fica sem sentido). Não vi o talento,
nem a novidade. A amiga de Waltinho não merece elogios.
Por Rubens Ewald Filho
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