CANNES 2005 - QUINTO DIA

17 de maio de 2004

Finalmente chegou a hora do Brasil no Festival de Cannes 2004. Na noite de domingo os convidados e realizadores do filme "Bye Bye, Brasil", de Carlos Diegues, sobem as escadarias do Palais du Festival, como uma homenagem ao cinema brasileiro (segundo Wilker, o Festival disse que estava devendo isso a eles e queria homenageá-los. Assim, fora a apresentação especial do filme, haverá também uma pequena recepção fechada aos convidados. A mesma cerimônia das escadarias será repetida na segunda-feira com Nelson Pereira dos Santos e seu "Vidas Secas". E supõe-se a cada noite. Depois de subirem, eles atravessam o hall geral e sobem para a sala Luis Buñuel onde são mostrados os filmes para os convidados e imprensa). Cacá e Wilker estão acompanhados pelas respectivas esposas.

Com um domingo de muito sol, o festival prossegue sendo ocasionalmente interrompido por protestos dos intermitentes/temporários grevistas, que nestes dias conseguiram o apoio de Michael Moore e também apanharam um pouco da polícia quando tentaram ocupar o cinema Star (onde passam os filmes do mercado). Na verdade, de onde eu escrevo na sala de imprensa posso ver uma sucessão de carros de polícia preparados para entrar em ação e bater nos grevistas ao menor sinal de passeata não autorizada ou trânsito engarrafado. Coisas de primeiro mundo.

 

Decepção

"Comme une Image". Este foi o primeiro filme francês selecionado para competir (são três apenas em vez dos habituais quatro), uma responsabilidade, se considerando que nos últimos dois anos nem deram qualquer prêmio de consolação para os franceses (como antes faziam por cortesia). Esta comédia doce da atriz Agnes Jaoui (que acertou e foi indicada ao Oscar de fita estrangeira pela fita de estréia que também foi bem no Brasil, "O Gosto dos Outros"), usa o título tirado de uma expressão francesa que diz "sage comme une image", que se refere aos pontos que você ganha na escola se for bem comportada.

O filme escrito por Agnes e seu marido e parceiro Jean Pierre Bacri (eles não formam dupla no filme, nem têm relação amorosa na história) é sobre uma jovem gorda e pouco atraente (feita por Marilou Berry, que é filha da diretora e estrela Josiane Balasko). Todo mundo se aproxima dela sempre pensando em se aproveitar do pai, que é um escritor e editor famoso, ainda que muito mal humorado (a fita brinca com esse traço da personalidade do francês que está sempre rosnando, reclamando, brigando, como fazem os choferes de taxi, um mau humor incrível que só termina quando encontram alguém que os enfrente, que os banque).

Mas o pai está mais preocupado em cuidar da filhinhna menor e mimada, da jovem e bela esposa e em tentar trazer para sua editora um escritor super elogiado pela crítica (que é justamente o marido de Agnes). O filme fixa-se na amizade de Marilou com Agnes, que vai dirigir meio a contragosto um grupo coral onde a garota canta (ela tem até talento). É quase como uma sitcom, onde não se procura gargalhadas, apenas risos. E onde, como na vida, nada se soluciona com facilidade, com apenas boa vontade. Todos continuam errando como sempre. Muito bem recebido pelos franceses na sessão de imprensa, o filme talvez não viaje tão bem. Parece-me francês demais. Ainda que simpático.

 

Kill Bill Vol. 2

Já disse muitas vezes o quanto me diverti e apreciei o "Volume 1". E fiquei animado quando tive notícias de que o "2" era não apenas diferente, mas até melhor. Permita-me discordar (o filme deve passar ainda em Cannes em sua versão japonesa, que é integral, apenas com intervalo e com as cenas em preto e branco, por causa da violência, transpostas para cores). Achei que na segunda parte o filme perde em criatividade e originalidade, caindo em algumas cenas longas de bate-papo, com pseudofilosofias completamente bobas e chatas.

Bill finalmente é visto, mas é um anticlímax, porque o ator que o interpreta, David Carradine, embora recordado com nostalgia porque fez o seriado "Kung Fu", nao é carismático, nem bom ator, nem tem uma presença tão notável (fico me perguntando se teria sido melhor com Warren Beatty, que ia fazer o personagem). Tanto que o encontro do casal, tão esperado, não tem maior importância.

Será que a crítica americana gostou porque tem menos sangue? Menos luta, menos sangue, e portanto fica mais fácil seguir a história (as gracinhas da criança precoce quando a heroína Uma finalmente descobre que é a mãe, são de virar o estômago). Não gosto da idéia de trazer novamente Michael Parks fazendo outro personagem sem a maior necessidade (no "Volume 1" ele já era um xerife, agora faz um cafetão que é uma figura paterna para Bill e lhe dá sem problemas o endereço dele).

Francamente, teve momentos áridos, que não vão para lugar nenhum. As lutas não são especialmente marcantes, nem mesmo quando Daryl Hannah usa a cobra contra Michael Madsen, apenas um golpe baixo, nem quando Uma vem enfrentá-la dentro de um trailer, não exatamente o lugar ideal para grandes sacadas. Enterrar viva a heroína também não provoca grandes reviravoltas.

Ou seja, ao contrário de muitos, não gostei da segunda parte. Os diálogos são fracos (com duas ou três piadinhas) e por vezes o filme até se arrasta (tem duas horas e 15). Mas não considero esta opinião definitiva. Estou tão surpreso que pretendo ainda ver o filme de novo e reconferir.

O Festival vai chegando ao meio e tudo começa a ficar mais difícil, até mesmo a disputa pelos computadores. A seleção de filmes continua interessante, com poucos destaques para pior ou melhor. Quero registrar dois filmes novos.

 

"A Mulher É o Futuro do Homem"

Não carecia selecionar para a competição mais este filme coreano. Uma história aborrecida, circular, que nunca parece chegar a lugar nenhum.

Dirigida por Hung Sangsoo, é sobre dois colegas de escola que se reencontram. Um virou diretor de cinema recém formado, o outro está lecionando. Ambos se envolvem com a mesma garota (e tem cenas de sexo que lembram as pornô chanchadas nacionais dos anos 70, tudo meio censurado). E dai? Não sei. Estou não entendi o que faz no festival.

 

"The Assassination of Richard Nixon"

Está no "Un Certain Regard", com o charme da presença do vencedor do Oscar Sean Penn que dará até entrevista coletiva (o que não sucede normalmente quando é fora de concurso).

O filme é uma daquelas vítimas do 11 de setembro, ou seja, estava já sendo rodado quando houve o atentado e então decidiram adiá-lo. O diretor é um certo Niels Mueller, que escreveu o roteiro de Tadpole, ou seja, um novato. Ele se inspira em fatos reais, na história do sujeito que tentou um sequestro de avião durante os dias de crise do presidente Nixon, quando ele estava sendo investigado por Watergate.

Uma fita que ganhou prestígio pela presença de Penn criando a figura de um psicopata atormentado (ele está num meio termo, não tão caricato quanto em seus piores dias nem brilhante como em "21 Gramas". Aliás, sua parceira naquele filme, Naomi Watts, também está neste filme como sua mulher, numa participação pequena). O filme é apenas isso, um sujeito caminhando progressivamente para a loucura, até quando realiza o sequestro que termina mal. Não tem cara de telefilme (para onde normalmente vão esses temas). Mas também não vi nada de muito político, com todo o paralelo forçado com Nixon. Mas quem sabe eu estou meio cego, porque aquele documentário sobre vinhos, lembram, foi acusado pelos americanos de ser pró-França e fazer parte da campanha do país com os americanos. Ou seja, paranóicos são eles

Por Rubens Ewald Filho