DIÁRIO DE NOVA YORK 2005 - 2ª PARTE

13 de janeiro de 2005

Quem vai ao cinema hoje em dia já sabe que a gente não assiste o que deseja, mas o que consegue, dependendo dos horários sempre atrapalhados, com estranhíssimos intervalos no meio.

O ingresso continua a dez dólares e cinqüenta centavos, mas tem cara de que em breve vai subir. E as concessões já estão oferecendo comida quente (esperei dez minutos por uma quesadilla). Por enquanto tenho me concentrado no Multiplex da Loew’s (que completa cem anos) e que fica a quatro quadras de onde estou hospedado. Eis o que achei de alguns dos filmes que foram indicados ao Globo de Ouro e devem ter indicações ao Oscar.

 

Hotel Rwanda

Este era quase desconhecido, mas quando ouvi a história já pensei: isso tem cara de Oscar. É daquelas histórias reais chocantes de que a gente mal ouviu falar na época - mesmo agora - e que conta um feito de heroísmo numa tragédia pouco divulgada da África: a matança em Rwanda, perto do Congo em 94, na época em que outro caso semelhante estava chamando a atenção: na Bósnia / Sérvia. Ambos são matanças tribais, em que gente de um mesmo país faz limpeza racial, sabe Deus por que razão. No caso africano, é tudo mais grave porque não há interesses econômicos envolvidos, e por isso a ONU e mesmo os EUA são francamente atacados, por não terem intervindo ou feito algo mais eficiente para impedir o massacre de cerca de 800 mil pessoas. Foi uma horrível guerra civil ainda quase desconhecida (pensei em Gritos do Silêncio, que fez algo parecido com o Laos) e foi agora revelada neste filme dirigido pelo europeu Terry George, que por sinal não revela qualquer sinal de talento. Ele fez um filme frio, neutro, medíocre, sobre um assunto explosivo. Conta a história de um gerente de hotel belga (Jean Reno aparece um pouco, como o dono da rede Sabena) chamado Paul Rusesabagina (Don Cheadle), que salvou a vida de cerca de mil e duzentas pessoas, quando os escondeu e, através de truques e jogadas, e muita corrupção, conseguiu impedir que eles fossem massacrados pelas milícias. Como o filme explica, foram os belgas que começaram o problema, quando dividiram os habitantes do país em duas raças (o que não era verdade): os mais altos e bonitos e os mais pobres e feios, criando um ódio mortal entre os Hutus e os Tutsis. Paul é Tutsi e bem-sucedido, mas é casado com uma Hutu e, na verdade, o país é um caos, porque há rebelião dos dois lados. Mas do lado do governo, os civis tiveram acessos a armas de ferro e saíram matando as pessoas, inclusive mulheres e crianças (a cena mais forte é quando eles pegam a estrada e vão passando por cima de cadáveres). É coisa de gritar ou chorar, mas o filme fica numa banal história de hotel sitiado com lamúrias da esposa, traição dos colegas e total falta de clima. Nick Nolte faz muito mal o chefe da ONU local, que não tem poderes ou armas (funciona para dar informações para a história caminhar).

O maior mérito do filme, que provavelmente será reconhecido, é o trabalho do ator Don Cheadle (também em Doze Homens e Outro Segredo) que se parece bastante com Pelé e sempre foi um intérprete versátil e competente. É a melhor coisa de um filme bem intencionado, mas que deixa a desejar.

 

Spanglish

O diretor James L. Brooks já ganhou Oscar por Melhor é Impossível e Laços de Ternura, mas continua produzindo séries de TV (como Os Simpsons) e também, de vez em quando, faz bobagem. Como esta comédia sem inspiração, que foi ignorada por todos os críticos e também não fez sucesso de bilheteria, apesar de ter sido estrelada pelo popular Adam Sandler (que é como Jim Carrey, só funciona quando faz comedinhas para seu público, quando experimenta algo diferente quebra a cara). Adam está até que bastante bem, numa variante de seu personagem de criança grande de bom coração, mas pouca coragem. Ele faz um jovem e famoso chef de cozinha que tem um bom restaurante, mas problemas com a mulher chata e insatisfeita (Tea Leoni), a sogra que foi cantora e é alcoólatra (Cloris Leachman), os filhos (o menino mal se vê e a garota pré-adolescente é gorda) e principalmente com a empregada mexicana (feita pela espanhola e linda Paz Vega, de Lucia e o Sexo). Quem narra a história é a filha dessa empregada, que estaria fazendo uma inscrição para a Universidade de Princepton e assim conta sua história. A mãe vem com ela para os EUA e vai trabalhar como empregada doméstica em Beverly Hills, mesmo sem saber falar inglês. A família é excêntrica, mas não muito (os personagens são mal-construídos, as cenas pouco engraçadas e o filme simplesmente não funciona como devia, até porque pega o ponto de vista da latina, sem assumi-lo). Lembra um pouco Down and Out in Beverly Hills, de Mazursky, mas sem o lado satírico.

Evidentemente Adam começa um romance (platônico) com a empregada (mas só depois que a esposa o está traindo com outro). Mas que também não leva a nada. A partir do título (obviamente mistura de Inglês com Espanhol), o filme não funciona.

 

Closer - Perto Demais

Se tivesse um Oscar para melhor elenco, melhor trabalho em equipe, certamente este seria o vencedor. Sob as ordens do veterano e admirado Mike Nichols (veterano diretor da Broadway e premiado cineasta de A Primeira Noite de um Homem), o que era apenas uma curiosa peça inglesa se transformou num interessante exercício de relações humanas e amorosas.

O texto (que vi montado na Broadway com Natasha Richardson e Rupert Graves, e no Brasil com Regina Duarte e sua filha Gabriela) vai contando o relacionamento entre dois casais na Inglaterra (as mulheres desta versão são americanas). Jude Law (que também faz ponta sem graça em O Aviador) é um jornalista (de obituários), que ajuda uma jovem stripper (Natalie Portman, em seu primeiro papel de adulta) que foi atropelada. Tornam-se amantes e, tempos depois, Jude está lançando um livro e tem que tirar foto com Julia Roberts (desta vez bonita e bem fotografada), se interessando por ela.

Depois por obra do destino, Jude está brincando na Internet num chat de encontros, quando se faz passar por uma mulher e marca um encontro com um médico (Clive Owen). Ele vai e assim fica conhecendo Julia, funcionando como involuntário cupido. Depois disso há várias reviravoltas e trocas de casais, alguns conflitos, algumas verdades jogadas na cara do outro, mas sem aquele humor típico dos americanos. Nem com vontade de fazer comédia romântica. É uma fita sobre adultos, que amam e sofrem, deixam de amar e sofrem mais ainda. Ou seja, gente como todos nós. O filme não teria dado certo não fosse a mão segura de Mike Nichols (ele aproveita numa exposição de fotos lounge, onde toca Bebel Gilberto) que conduz todos com total precisão, sem exceções. Até Clive Owen (Rei Arthur) que é bonitão, mas tem carisma zero, funciona aqui, com ferocidade e compaixão. Embora certamente a melhor figura do filme seja Natalie Portman, outra que na série Star Wars está completamente apática, aqui ficou sedutora, atraente, ambígua. Criando um personagem tão interessante que pode ser mesmo indicada ao Oscar como coadjuvante. Vale a pena conhecer Perto Demais, mas não vá esperando uma fita de Meg Ryan e Tom Hanks.

 

Amanhã continuamos com mais filmes em cartaz para o Oscar.

Por Rubens Ewald Filho

(fotos: divulgação (c) United Artists (c) Columbia)