DIÁRIO DE NOVA YORK 2005 - 3ª PARTE

14 de janeiro de 2005

Fiquei um pouco surpreso com a lista do Sindicato dos Atores, até pelas ausências (Liam Neeson por Kinsey, Javier Barden por Mar Adentro e todo o elenco de Closer [Perto Demais]). E por alguns acréscimos à lista de possíveis indicados ao Oscar, entre eles, Cloris Leachman por Spanglish, Sophie Okonedo (Hotel Rwanda), Catalina Sandino Moreno (Maria Full of Grace), James Garner (The Notebook), Freddie Highmore (Procurando pela Terra do Nunca). Por sinal, todos eles bem interessantes; no caso do menino excepcional, já está na nova versão de A Fantástica Fábrica de Chocolates. Nesse meio tempo, vi mais alguns filmes.

 

Kinsey

Não fez sucesso até porque estes são tempos moralistas e hipócritas. Os elogios da crítica não ajudaram. Mas este é um bom filme, outra prova do talento do diretor Bill Condon (Deuses e Monstros). Ele conta de forma bem polêmica a vida do pesquisador Kinsey (Liam Neeson) que nos anos 40 e 50 fez uma pioneira pesquisa sobre o comportamento sexual do americano, que até hoje é modelo para tudo e, sem dúvida, o início da sexologia. Se isso é atrevido hoje, imagine então naquela época. O filme tem um belo roteiro, também de Condon, mostrando quem foi Kinsey, os problemas que teve com o pai moralista (feito por John Lithgow, um dos melhores momentos é quando ele confessa para o filho o que sofreu quando moleque). E depois descobrir-se bisexual (é outra cena muito forte para o momento, Peter Skasgaard é assistente de Kinsey, que fica pelado e pergunta a Liam Neeson se quer experimentar uma relação sexual com homem. Trocam um grande beijo. Tempos depois a relação acaba, mas Peter resolve experimentar com a mulher de Kinsey, feita pela também ótima Laura Linney). Mas tudo isso é mera passagem, o importante é a pesquisa que Kinsey comandou e que acabou revelando facetas inesperadas do comportamento do americano, que até hoje é medida para se estudar o tema e que obviamente provocou escândalo na época (até pelo métodos pouco ortodoxos que usavam, chegando a filmar transas para estudar orgasmo, com ajuda de voluntárias e os pesquisadores que, aliás, são feitos por Peter, Timothy Hutton e o ex-Robin, Chris O’Donnell).

O filme é muito bem narrado, muito oportuno (justamente pelo moralismo que tende a ficar cada vez pior), muito humano (afinal quem não teve ou não tem problemas sexuais?) Tem um excelente elenco, inclusive com a amiga do diretor, Lynn Redgrave, que tem um momento excelente já no final da fita, quando dá sentido a toda a vida de Kinsey, no papel de uma lésbica. Chega a ser emocionante. Claro que por ser assim tão atrevido, o filme não tem grande chance em levar mais prêmios. Mas é muito saudável que fitas como esta ainda possam ser feitas.

 

Being Julia

Os que têm boa memória devem lembrar quando Marília Pêra estrelou a montagem teatral de Adorável Júlia, e também da versão européia do texto de Somerset Maughan, também com o mesmo nome, estrelado por Lilli Palmer (sublime), Charles Boyer e Jean Sorel. Uma fita que passou pouco tempo atrás no Telecine Classic, onde se confirmou seu humor e principalmente o acerto da atriz (ela faz Julia, uma estrela de teatro que confunde vida e palco, de tal forma que mal sabe quando diz um texto tirado de uma peca ou é de verdade mesmo). Lilli e Marília estavam infinitamente superiores a Annette Bening, que está sendo louvada e indicada para prêmios. Não está mal (ela é das poucas atrizes americanas que não fizeram plástica nem puseram botox; ainda bonitona, a Sra. Warren Beatty tem o rosto com muitas rugas), mas o roteiro não ajuda, nem a direção do húngaro Istvan Szabo. E sabe por que? Porque fizeram uma fita européia e não americana. A fotografia é escura (a regra é simples, comédia tem que ter foto clara e luminosa), a câmera esta sempre colocada de forma precária em cenários reais, nunca favorecendo o ator ou a cena. Escolheram um recurso narrativo muito duvidoso que é trazer um fantasma, o personagem do diretor que inventou Julia (Michael Gambon) e que continua falando e dirigindo ela (naturalmente só Julia o vê). Isso acrescenta pouco e não ajuda na parte de humor. O filme é bem irregular, repetindo o esquema: Julia se apaixona por um rapaz mais jovem que apenas a está explorando e quer um papel para sua nova namorada (que por sua vez o trai com o marido de Julia, o diretor Jeremy Irons, já que eles têm uma relação aberta). Pena que o garoto escolhido é muito feioso e fraco (o gordinho Shaun Evans) ao contrário do ilustre elenco de apoio (que tem Bruce Greenwood, Rosemary Harris, Rita Tushingham, Juliet Stevenson, Miriam Margoyles). O que atrapalha tudo. Para quem não conhece o original, tudo pode ser até relativamente divertido. Annette chora um pouco demais, mas não compromete, o personagem é bom demais para negar fogo. O trabalho só não é melhor porque o roteiro de Ronald Harwood não ajuda. Nem a realização (fui checar e realmente a maior parte do filme foi feita em Budapest, o visual não engana).

 

Lemony Snicket Series of Unfortunated Events / Desventuras em Série

Já para estrear no Brasil, este filme infantil certamente nasceu na ânsia de criar um sucessor ou competidor para Harry Potter. Não conhecia os livros infantis, mas fiquei muito impressionado com a produção. A direção de arte, o desenho de produção, o figurino, tudo é excepcionalmente bem feito, inventivo, brilhante. E deve concorrer como direção de arte e que tais. Visualmente o filme é uma beleza. Como roteiro também é curioso, ainda que meio meta-linguagem, coisa que não sei se criança embarca. Assim, o narrador fazendo o próprio Lemony seria Jude Law (novamente) e a grande sacada do filme é começar com uma animação chamada O Elfo Feliz. Mas logo se interrompe (o filme é co-produção da Nickelodeon e Paramount com a Dreamworks) e vão avisando que se quiserem ver gente feliz, vão para outra sala porque aqui vamos contar uma história dark, até pesada. O roteiro de Robert Gordon aproveita três aventuras pelas quais passam os três irmãos Baudelaire, que repentinamente ficam órfãos (a casa deles pega fogo misteriosamente, matando os pais, e eles têm que ficar com um tio, Conde Olaf, que deseja apenas o dinheiro deles, os trata como escravos, tentando matá-los e depois continua a persegui-los). O trio de meninos é ótimo (mas isso é lugar comum em filme americano), inclusive uma dupla de gêmeos que faz a criança menor (o que ela balbucia é traduzido em legendas, para criar mais piadas). E o resto do elenco é de primeira linha, até entre coadjuvantes (Billy Connolly, Jane Adams, Jennifer Coodlidge, Catherine O’Hara, Dustin Hoffman) além de, naturalmente, Meryl Streep (caracterizada como uma tia, mas nada de extraordinário). Repleto de efeitos visuais, o filme dirigido por Brad Siberling (Cidade dos Anjos) é muito bonito, interessante, charmoso. Mas ainda assim alguma coisa não funciona. Talvez seja falta de ritmo, problemas de identificação com os heróis, e a contenção relativa de Jim Carrey como o Conde Olaf (que usa vários disfarces). Ele nem está sério como em Brilho Eterno..., nem solto como em suas comédias. Talvez inibido pela maquiagem pesada, difícil dizer. Mas o filme não deslancha, não envolve, acaba por não funcionar. É como um belo quadro ou paisagem que se contempla sem paixão. Ou maior emoção. Imagina um filme para crianças sem emoção. É o que há de mais errado.

Por Rubens Ewald Filho

(fotos: divulgação (c) Qwerty Films (c) Sony Pictures (c) Paramount)