17
de janeiro de
2005
Só mesmo
em Nova York. Acordei esta madrugada às quatro da manhã com
um alarme tocando no apartamento onde estou hospedado, dos meus
amigos Armando e Dwight. Logo depois entraram dois bombeiros,
com capacetes e toda a farda, inclusive flashlights. Um susto
enorme. Não foi bomba. Acontece que tem havido muitos
envenenamentos por gás carbônico na cidade, então
colocaram um alarme (no nosso caso, estava 14 quando o máximo
permitido é 9), e podíamos ter morrido sem saber,
porque a máquina de calefação estava desregulada.
O maior escândalo em todo o prédio e vizinhança.
Pois é, são coisas da cidade, que a gente tem que
se acostumar. Como o périplo que ando fazendo para conseguir
ver todos os filmes. Mas tem valido a pena. Eis meu relatório
dos mais recentes:
Mar
Adentro
Fiquei
emocionado várias vezes, com lágrimas nos
olhos e dor no peito. Credo, que filme bonito, sensível,
pesado mas ao mesmo tempo um hino à vida e um convite
ao suicídio. Se alguém tinha dúvida ainda,
o diretor chileno/espanhol Alejandro Amenabar, que até agora
tinha feito fitas de terror tipo Os Outros, é um grande
diretor. Sabe contar uma história, tirar grandes interpretações
(o elenco é fantástico, sem falhas), criar grandes
momentos. Fez um filme nada comercial.
A história
real de um espanhol, Ramon Sampedro que, depois de ficar 28 anos
tetraplégico (por causa de um acidente
parecido com o de Feliz Ano Velho, mergulhando num lugar raso
numa praia), quer ter o direito de se matar com dignidade.
E abre
um processo para conseguir isso com o aval das cortes. Uma história
difícil de contar, porque fala de
assuntos desagradáveis, em particular a morte. Como se
não fosse apenas isso, conta também a história
de duas mulheres que amaram Ramon, primeiro uma jovem simplória
com dois filhos e, principalmente, uma advogada que tenta ajudá-lo
porque ela também sofre de uma doença mental que
vai deteriorando e que aos poucos vai deixando-a sem memórias
(embora ela fosse responsável por publicar suas cartas-poemas,
pouco antes dele morrer). Talvez por ser tão pesado, o
diretor coloca na história uma mulher confidente que engravida
e dá a luz (ou seja, alguma esperança) e conta
com tanta felicidade e ternura como a família de Ramon
cuida dele e se opõe às suas idéias de suicídio.
Mas certamente é um filme que incomoda e faz pensar, mas
também coloca toda a situação com muita
poesia (em alguns momentos ele tira o ator da cama com situações
imaginárias). Falta falar do ator Javier Bardem, que mais
uma vez dá um show. Aqui nos EUA não pegam que
ele está falando com sotaque galego, muitos nem sabem
que ele compôs um tipo totalmente diferente, careca, mais
velho, com o corpo massacrado por anos de imobilidade. É um
grande trabalho, melhor até do que em Antes que
Anoiteça (que lhe deu indicação ao Oscar). Por este trabalho
foi indicado ao Globo de Ouro e melhor ator em Veneza.
Por
mim, ganhava todos os prêmios.
(NE:
Rubens escreveu este artigo antes de saber que o filme ganhou
o Globo de Ouro)
Vera
Drake
Outro
premiado em Veneza, como melhor atriz e também
melhor filme, o Leão de Ouro. Já passou na Mostra
de São Paulo, mas só fui ver aqui. Não há dúvida
que Imelda Stauton é uma grande atriz (lembro-me dela
em fitas menores, como Rat e Crush, a maior parte das pessoas
nunca a viu antes a não ser em fitas de Kenneth Branagh
- Muito Barulho por Nada - ou Emma Thompson - Razão e
Sensibilidade). Nada fazia prever também um trabalho tão
consistente, de tão poucas concessões. Ainda que
meio samba de uma nota só. Imelda primeiro marca com boazinha,
sorridente, quase uma santa. Depois chora, chora, chora. Sem
nuances. Mike Leigh todo mundo sabe como trabalha, passa meses
trabalhando com o elenco e assim improvisa e depois escreve o
texto. Assim que bolou esta história passada no começo
dos anos 50, quando Vera é uma senhora da classe trabalhadora,
que serve como doméstica em casas ricas para ajudar o
marido. Mas nas horas vagas, por compaixão e sem ganhar,
faz abortos em jovens necessitadas (tem uma amiga, porém,
intermediária que leva uns tostões). Acaba sendo
presa, julgada e desonrada (apesar de até a polícia
ficar gostando dela). Com toda a hipocrisia de uma sociedade
que admite o aborto apenas para as jovens ricas e discretas que
estejam dispostas a pagar bastante pelo privilégio. O
filme é naturalmente impecável. Ressente-se de
um final mais forte, mais pungente. Mas coloca muito bem todas
as situações, sempre de forma humana e delicada,
sem discursos. Um bom filme, mas novamente outro barra pesada.
A Love
Song for Bobby Long
Scarlett
Johanson (Encontros e Desencontros) foi indicada ao Globo de
Ouro por este filme, razão suficiente para correr
atrás dele no Angelika Film Center, no Village, onde não
faz sucesso. E vai sumir logo. Realmente ela não está especialmente
bem (é uma garota bonita, mas ainda verde, não
estou convencido desse possível talento). Também
a diretora é muito fraca (Shainee Gabel), com um orçamento
baixíssimo que não a deixa elaborar mais cenas
(tudo parece improvisado, corrido, sem cuidado). Mas o maior
erro mesmo é de John Travolta, que faz o papel central,
que seria o de um ex-professor universitário, que por
razões obscuras virou alcoólatra e viveu com a
mãe de Scarlett, que foi uma cantora de New Orleans (com
muitas locações, mas nunca se sente o clima ou
atmosfera da cidade). Quando ela morreu, Scarlett voltou para
casa onde encontrou Travolta morando com outro alcoólatra
mais jovem (Gabriel Macht), com quem este tem uma relação
misteriosa (dá a impressão que seria um caso gay,
mas não tiveram coragem de levar isso adiante, então
inventaram uma complicada situação que não
faz muito sentido). Aliás, todo o filme é enrolado,
mal narrado, arrastado e prejudicado por Travolta que pintou
o cabelo de branco e procurou se desglamourizar, sem sucesso.
Está jovem demais, perdeu o carisma e em momento nenhum
consegue capturar a essência de um personagem que faz referências
literárias (aliás, o papel é bom e outros
fariam maravilhas com ele; Travolta derruba o filme). Este, no
Brasil, se aparecer, só mesmo em home-vídeo e está mais
do que bom.
Por Rubens Ewald Filho
(fotos: divulgação
©2004 Fine Line Features (foto de Teresa Isasi) 2004
Fine Line Features ©2004
Lions Gate Films)
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